Por Marília Almeida - iG São Paulo
Decisões favoráveis do Tribunal Superior do Trabalho incentivam a busca de indenizações por danos contra a dignidade do trabalhador.
Duas decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), publicadas em junho e outubro do ano passado, incentivaram decisões relacionadas à ações que buscam indenização por dano existencial na Justiça, um tipo de dano moral que ocorre quando a empresa fere a dignidade do trabalhador ou o trabalho tem impacto negativo sobre seu projeto de vida.
Como consequência, o empregado deixa de se relacionar e de conviver com familiares e amigos, seja por meio de atividades recreativas, afetivas, culturais, sociais e de descanso.
O trabalhador pode também ser impedido de executar e prosseguir seus projetos de vida, que levam à realização profissional e pessoal, define a professora de direito do trabalho Janete Aparecida Almenara.
Jornadas excessivas, negar direito à férias e não dar espaço a qualificação profissional pode render indenizações.
O TST condenou o Walmart a pagar indenização por dano moral e existencial no valor de R$ 8,5 mil a um empregado que fez horas extras além do permitido por lei. O funcionário trabalhava 13 horas por dia durante todo o tempo no qual foi registrado na empresa. O TST também negou recurso à uma associação de Mato Grosso do Sul e manteve a indenização por dano existencial de R$ 25 mil a uma economista que ficou nove anos sem férias.
Sul agrega mais ações judiciais
Levantamento feito pelo iG no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, aponta 80 decisões sobre o tema apenas em 2013, e 15 este ano. Além das decisões recentes do TST, foi publicada na região uma das primeiras decisões favoráveis sobre o tema no Brasil, pelo desembargador Jose Felipe Ledur, há cerca de dois anos,
Em outros tribunais, as decisões sobre o assunto ainda não ganharam relevância. No Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região, em Minas Gerais, já são cinco processos que citam a indenização por dano existencial, duas decisões publicadas no segundo semestre de 2013 e três este ano. Uma delas cita o dano existencial como tema principal.
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No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, em São Paulo, existe apenas um processo sobre o tema após a publicação das decisões do TST, que não fez distinção entre dano moral e existencial ao prever a indenização. No Rio, existem duas decisões: uma que trata sobre venda obrigatória de férias e a outra que cita a decisão do TST ao conceder indenização por jornada de trabalho excessiva.
Em grande parte das decisões mais antigas, entre 2010 a 2012, o dano existencial foi apenas citado nos processos judiciais como um tipo de dano moral decorrente de terrorismo psicológico, realizado por superiores no local de trabalho.
Tema não tem consenso nos tribunais
Marcelo Kroeff, advogado de Porto Alegre cujo escritório ganhou a ação contra o Walmart julgada pelo TST, estima ter ganhado indenizações em cerca de 20% do total de ações que previam o dano existencial.
Isso porque o tipo de dano moral não está previsto com clareza na legislação, e depende da interpretação de determinadas normas jurídicas. Há também um temor de que a Justiça fique sobrecarregada, na visão do advogado. Mas são necessárias, para ganhar uma ação, provas robustas, bem como que a prática seja registrada por longos períodos.
Entre dez decisões publicadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região no ano passado, apenas quatro foram favoráveis à indenização por dano existencial. "Muitos juízes acreditam que apenas o pagamento de horas extras seria suficiente para ressarcir o trabalhador", diz Kroeff.
“A empresa negligencia o ser humano além do trabalhador" (Janete Aparecida Almenara, professora de direito do trabalho)
O problema, explica o advogado, é que o dano, em algumas situações, não é apenas material. Há desde casos de separação, filhos com problemas, alcoolismo e até depressão por conta de uma jornada de trabalho exaustiva.
Tese nova no Brasil, o dano existencial já é considerado uma doutrina em outros países. Na visão da professora Janete, o tema deve ganhar em breve jurisprudência também no País. "O dano começa a ser reconhecido. Tão logo haja maior conscientização dos trabalhadores, as ações vão aumentar."
Na sua visão, o objetivo não é punir a empresa mas, sim, alertá-la. "Ela não pode negligenciar o ser humano que existe além do trabalhador. Mesmo que o funcionário aceite vender suas férias, por exemplo, a empresa não deve aceitar".
A indenização, na visão de Kroeff, deve ter caráter pedagógico. "O valor deve fazer com que a empresa pense duas vezes antes de continuar com a prática". Entre as ações do escritório, são pedidos de R$ 10 mil a R$ 60 mil como indenização pelo dano existencial.
Cenário do mercado de trabalho é propício
Em um momento no qual a tecnologia colabora para jornadas de trabalho mais extensas, com ligações e conexões a qualquer hora, o tema do dano existencial é pertinente. Além disso, há cada vez mais uma pressão por resultados nas organizações por parte de acionistas, que acabam resultando em redução do quadro de funcionários, maior carga de trabalho e sobreposição de funções.
Marcelo Kroeff cita que as ações judiciais se concentram hoje em alguns setores, como o varejo. "Algumas empresas têm o costume de pedir horas extras por longos períodos. Às vezes o funcionário ganha pouco mais de dois salários mínimos e é registrado como chefe do setor para que a jornada extensa possa ser exigida", conta.
Para Sueli Aznar, consultora de recursos humanos da Right Management, a discussão pode chegar até a esfera dos executivos. "O executivo precisa viajar muito e pode receber ligações em horários impróprios. Como resultado, fica impedido de fazer coisas que para ele são relevantes e que não consegue resgatar, ao contrário do dano moral, mais passageiro".
O fato de o funcionário aceitar as condições por longo período de tempo não inviabiliza o pedido de indenização. "Ele é colocado como condição ao trabalho, e há entre funcionário e empresa uma relação de poder", explica Sueli. "O funcionário pode se sentir constrangido por sair no horário quando não está acostumado a sair".
Para Kroeff, sem ações civis públicas para coibir as práticas, promovidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que já resultaram em um Termo de Ajustamento de Conduta no caso do Walmart, haveria mais ações judiciais sobre o tema.