Responsabilidade civil dos Correios por atraso na entrega postal Utilização de diferentes dispositivos legais para fundamentar o reconhecimento da responsabilidade indenizatória dos Correios.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) foi condenada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao pagamento da quantia de R$ 20.000,00, a título de reparação pelo dano moral causado a um advogado militante no foro da cidade de Florianópolis/SC.
Conforme veiculado pelo portal da AASP, a condenação decorreu da defeituosa prestação de serviço por parte da empresa pública, que atrasou a entrega de correspondência postada pelo advogado. Em decorrência disso, ajuizou ação indenizatória contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), invocando ter sofrido danos morais e materiais em razão do não cumprimento das obrigações contratuais por ela assumidas.
Segundo alegação do causídico, no dia 5 de abril de 2007 (quinta-feira) utilizou os serviços de Sedex normal para o envio de petição ao Tribunal Superior do Trabalho, cujo prazo recursal expirava no dia 9 (segunda-feira). No entanto, a encomenda somente foi entregue ao Tribunal destinatário no dia 10 (terça-feira), às 18:42horas, quando já havia terminado o prazo para interposição do recurso.
De acordo com as regras estabelecidas pelos Correios para o tipo de serviço contratado, é assegurada entrega de encomendas entre capitais, como Florianópolis e Brasília, até as 18:00 horas do dia útil seguinte ao da postagem. O juízo de primeira instância não reconheceu a ocorrência de dano indenizável, julgando o pedido improcedente. A decisão foi mantida em grau de apelação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sob o fundamento de que: “é do advogado a responsabilidade pela interposição e protocolo de recursos em tempo hábil perante os tribunais superiores; ao escolher dentre os meios disponíveis para tanto – na hipótese, a remessa postal –, assume os riscos decorrentes de possível falha no sistema”.
No Recurso Especial que intentou, o advogado argüiu ofensa a diversos dispositivos do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e de outras leis que tratam de reparação de danos causados por ato ilícito ou por defeito na prestação dos serviços, obrigação das empresas públicas de prestar serviços eficientes e seguros, e responsabilidade da ECT na distribuição e entrega aos destinatários finais no prazo assumido. Ao analisar o caso, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou que é entendimento pacífico no STJ que o prazo para recorrer é cumprido quando a petição chega ao tribunal dentro do prazo legal para a prática do ato, independentemente de ter sido postada nos Correios dentro do prazo recursal.
Ao aferir a responsabilidade dos Correios no caso, explicou que a regra aplicada atualmente quanto à responsabilidade civil pela prestação de serviços dessa natureza é o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, “que estatui o risco administrativo para o estado e pessoas jurídicas a que faz menção”. Além disso, asseverou que as empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem-se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no artigo 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.”
Reconheceu também que houve uma relação de consumo entre o advogado e a ECT, a qual foi contratada para remeter a um órgão público as petições do profissional. Nessa hipótese, “a moldura fática delineada pelas instâncias ordinárias revela que o serviço contratado pelo autor não foi prestado exatamente conforme o avençado”. Apesar disso, salientou que o advogado é responsável pelo cumprimento dos prazos processuais, não podendo usar eventuais falhas no serviço dos Correios como justificativa para a comprovação de tempestividade.
“Porém, nada do que foi afirmado é capaz de afastar a responsabilidade da empresa fornecedora por um serviço inadequado ou ‘pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”. Enfatizou ainda em seu voto que, o consumidor não pode simplesmente absorver a falha da prestação do serviço público como algo tolerável, porque isso ofende a exigência legal segundo a qual “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
Para o relator os fatos descritos no processo foram suficientes para causar abalo moral ao profissional. “É natural presumir que eventos dessa natureza sejam capazes de abalar a honra subjetiva (apreço por si próprio) e a objetiva (imagem social cultivada por terceiros) de um advogado, razão suficiente para reconhecer a ocorrência de dano moral indenizável”, afirmou. Acompanhando o voto do relator, a Turma julgadora entendeu estarem presentes o ilícito contratual cometido pelos Correios, o dano moral suportado pelo autor e o nexo causal entre um e outro. Entretanto, não acolheu a alegação da existência de danos materiais, visto que o autor não comprovou sua ocorrência e, além disso, o sucesso no processo do qual se originou a demanda não poderia ser garantido.
Releva destacar no caso vertente que, a Corte utilizou-se de diferentes dispositivos legais para fundamentar o reconhecimento da responsabilidade indenizatória dos Correios, e do consequente decreto condenatório.
Com efeito, entendeu aplicável à hipótese controvertida nos autos as disposições constantes do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, (1) que cuida da responsabilidade reparatória dos danos causados pelos agentes das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos.
Além disso, também aplicou as disposições previstas pelo artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (2) que trata da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, bem como do artigo 22 do mesmo Código, (3) o qual determina o fornecimento de serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Leia a matéria completa.
Moyses Simão Sznifer
Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP; Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP; Ex Membro do Ministério Público da União;Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP.