Se já era incerta a situação política do País sob o aspecto legal, piorou e se tornou turva com a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei dos Ficha Suja, ou Lei dos Ficha Limpa, já não se sabe. O que há de concreto são dois casos: o STJ decidiu de uma forma e o Supremo, em instância maior, decidiu por outra, por seis votos contra cinco, depois de dois empates em cinco votos.
Se a diferença de um voto leva a suposição de divisão sobre o entendimento legal, o segundo caso esclarece: está entronizado um buraco negro e uma interrogação sobre ele. Existe ou não ficha limpa e ficha suja? Quando a lei produzirá os efeitos que se deseja?
Há uma polêmica instalada. Diante da confusão, os ficha suja que ficaram à margem da eleição de outubro passado passaram a respirar uma presunção de direito, ou seja, de destronar os que obtiveram mandato no lugar que, supõe-se, seria seu. Ainda assim, nada está assegurado. A votação do STF apenas decidiu que não se pode modificar as regras eleitorais, a não ser um ano antes das eleições. Dentro do período de 12 meses antes do pleito, não.
A decisão foi nesse sentido, o que leva à conclusão de que, quando o Congresso votou e aprovou o projeto popular com 1,6 milhões de assinaturas, sabia que estava gerando uma grande dúvida. Votou sob pressão popular. Todas essas circunstâncias e até a interpretação constitucional da lei dá margem a diversos entendimentos que se conflitariam com a decisão do STF, a partir do voto de desempate do novo ministro Fux.
Agora, o quadro que se revela se enquadra no patamar do não saber. A exemplo de: 1- não se sabe se os ficha suja que ficaram à margem ocuparão o mandato, ou não, dos que estão no exercício do cargo; 2- se isso acontecer quando se dará a mudança; 3- a lei valerá ou não para a eleição de 2012, e, 4- estão certos, ou não os magistrados e juristas que admitem estarmos numa situação tão confusa que pode levar a um prazo maior, talvez de até dez ano.
Os brasileiros estão, assim, fadados a conviver com os corruptos beneficiados que terão fórum especial (no STF) para responder sobre os seus crimes. É pesarosa uma situação dessa ordem, quando se observa que rolam há cinco anos as investigações e processos contra os 40 mensaleiros da grande maracutaia do governo Lula ocorrida em 2005.
Pior quando se recebe, como um forte impacto na cidadania, a informação de que muitos desses mensaleiros, especialmente o “pai” de todos, José Dirceu, podem estar livres e desimpedidos logo, logo, por prescrição dos crimes cometidos.
A lentidão da Justiça atinge em cheio o Supremo, obrigado que é a seguir o rito dos processos e a profusão de recursos, que transforma esta Pindorama tropical num país de Justiça duvidosa pelos males que lhe afligem. São tantos e tantos que privilegiam o crime.
Os ficha suja, assim, passam a ter no horizonte, distante ou perto, um salvo conduto para representar o povo, retomando o mandato que passará a lhes pertencer, pelo que se presume. Péssimo para a imagem da classe política e não menos para a do Poder Judiciário, atado a um amontoado de leis que se conflitam e geram polêmicas na sua aplicação, como é o caso do que aqui se analisa.
Para os políticos, tanto faz como tanto fez, na medida em que quem na lama está tem intimidade com ela. Não deve ser assim para a magistratura, para cujo o ingresso depende de concurso e para a ascensão na carreira a dependência se vincula a uma série de fatores, entre eles e naturalmente, a sorte. Bem observado, os políticos sempre tiveram como marca uma imagem negativa diante da sociedade, mas os magistrados, não. Com a democracia que se sedimenta e amadurece no País, as togas passaram a ser vistas também com suas manchas, o que não é bom. Problema semelhante ameaça, de forma crescente, o Ministério Público, que ganhou força pós Constituição de 1988.
Acontece, porém que a liberdade no agir pode (já acontece) gerar problema e conflitos do MP com a cidadania, se se permitir que determinados integrantes da classe extrapolem nas suas ações para enfeixar, muitas vezes, poderes dos quais se apropriam indevidamente, sem que os tenham. São erros e equívocos que não estão no MP como instituição republicana importantíssima, mas no plano individual das ações de alguns dos seus membros, de ordem pessoal. Cabe às corregedorias dos MPs estaduais e federal não permitir deslizes.
Enfim, ao invés de a lei, como a dos ficha suja, avançar para beneficiar novos conceitos mais éticos, observa-se um complicador a confundir e a determinar que estamos diante de um retrocesso. Lamenta-se.