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O advogado Ismael Moraes, 41 anos, marajoara de nascimento,
possui aspectos aparentemente paradoxais: advoga, ao mesmo tempo, para diversos
sindicatos de trabalhadores rurais e para o emblemático Sindicato dos
Produtores Rurais de Paragominas. Ele defende madeireiros e pecuaristas,
travando durante anos guerras judiciais contra o Ibama.
Moraes também está à frente
da defesa judicial do município de Paragominas no projeto “Município Verde e
pelo Desmatamento Zero”, hoje uma referência do próprio Ministério Público
Federal. Como conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), é
duro nas punições a advogados desleais. Ao mesmo tempo, é um intransigente
defensor das prerrogativas profissionais da advocacia.
Desde o ano de 2003, quando o grupo político da
ex-governadora Ana Júlia Carepa, que era então senadora, assumiu o controle dos
sistemas ambientais no Pará, ele faz sistemáticas denúncias de corrupção contra
ela e seu ex-marido, Marcílio Monteiro, acusando-os de captação de propina
através do Ibama e, depois, da Sema -quando suas declarações tiveram
repercussão nacional através da revista “Veja”.
Durante os últimos quatro anos, Ismael Moraes protagonizou
várias ações públicas contra atos do governo de então, como a que denunciou o
abandono dos pacientes de câncer do Hospital Ophir Loyola e a que desfez o
milionário acordo eleitoral entre a ex-governadora e o prefeito Duciomar Costa.
Diante das revelações produzidas a partir das investigações
da Polícia Federal, publicadas com exclusividade pelo DIÁRIO, corroborando o
que o advogado diz desde o ano de 2003, Moraes diz que o que está acontecendo
hoje é apenas parte da “podridão intestinal” de “um corpo que já estava em
decomposição por fora”, referindo-se ao governo Ana Júlia, que classifica como
“desastroso”.
FÁBRICA DE DINHEIRO
Ismael Moraes sustenta que o que chama de “teia de corrupção
da Sema” já existia, como em quase todas as repartições públicas, no governo
Ana Júlia.
“Tornou-se uma fábrica de dinheiro, custasse o que custasse.
E isso custou muito ao Estado. Diversos projetos e investimentos deixaram de
ser feitos no Pará em razão dessa sofreguidão em cobrar propina de tudo em
matéria de licenciamento ambiental. Não só na atividade madeireira, mas em
todas. E em todos os níveis”, acusa Moraes.
Segundo o advogado, a corrupção não estava concentrada
apenas nos altos escalões do governo. Para Moraes, o governo passado teria sido
marcado por uma grande peculiaridade: “a prática do achaque e das dificuldades
lastrearam-se em todos os escaninhos da administração”, afirma.
SEQUESTROS
Moraes afirma que na Sema, por exemplo, teria-se criado até
a prática de sequestro de autos de processo por servidores subalternos.
“De repente, um processo sumia, e o particular interessado
recebia um recado de que deveria pagar certo valor. Pagava e ninguém fazia
nada, para que todo mundo ficasse satisfeito e todo mundo saísse ganhando”,
denuncia.
Sobre o possível embaraço que essa situação poderia causar
até para a governabilidade no Estado, Moraes argumenta que o governo do PT
tinha essa característica porque, segundo ele, “não havia um governo” no
sentido da palavra. “As coisas iam acontecendo. De uma coisa o governo passado
não pode ser acusado: de que havia crime organizado. O crime era desorganizado,
mesmo”.
Na opinião de Ismael Moraes, o atual governo e os próximos
terão muito trabalho para tentar resgatar um mínimo de moralidade em relação ao
serviço público estadual paraense.
“Ou então cairemos num atraso do nível das mais reles
ditaduras africanas”, critica.
“Talvez em 2006 tenha sido pior”
Mais de R$ 30 milhões teriam sido arrecadados com
irregularidades no sistema de Documento de Origem Florestal do Ibama para a
eleição de Ana Júlia em 2006: é o que afirma Ismael Moraes em entrevista cedida
ao DIÁRIO:
P: O senhor já fazia denúncias contra o grupo da petista
desde quando ela era senadora, em 2003, ocasião em que ela indicou seu
ex-marido, Marcílio Monteiro, para o Ibama. Na gestão de Marcílio no Ibama
aconteceram desmandos como os de hoje?
R: Talvez tenha sido pior. No ano de 2006, Marcílio não
gerenciava mais o Ibama no papel, mas era quem mandava de fato. Nessa época,
foi inserido mais de 10 milhões de metros cúbicos de crédito fraudulento de
carvão e mais de 5 milhões de crédito fraudulento de madeira serrada no sistema
DOF (Documento de Origem Florestal) do Ibama.
Foi por meio de uma senha dada a
uma pessoa que sequer era servidora, que prestava serviço ao órgão por meio de
uma empresa terceirizada. Através dessa operação criminosa de venda desses
créditos falsos no Sistema do Ibama, estima-se terem sido arrecadados R$ 30
milhões que garantiram a vitória da candidata petista na eleição de 2006.
P: Na sua opinião, é possível deter as fraudes na Sema e no
Ibama?
R: Sim, há servidores de carreira competentes e sérios nos
dois órgãos, assim como existem no mercado muitos técnicos de qualidade que
podem ser aproveitados. É necessário, porém, que se desfaçam armadilhas legais
e burocráticas criadas para dificultar o trabalho dos madeireiros sérios e
proporcionar cobrança de propinas e a venda de créditos fraudulentos.
P: Por exemplo?
R: Neste período do nosso inverno amazônico, está sendo
aplicada uma resolução do Conama [nº 406/2009] que proíbe a exploração
florestal de projetos de manejo no período chuvoso no bioma amazônico, mas isso
está se impondo indiscriminadamente. Essa norma facilita a venda de crédito
fraudulento, pois o papel forjado no sistema não está calcado, não depende de
planos de manejo. E o madeireiro ilegal derruba a floresta em qualquer época do
ano e, em qualquer lugar, serra a madeira, pois essa norma não proíbe o
transporte de madeira serrada, nem poderia. Por outro lado, um grande número de
madeireiros corretos paralisa suas atividades temendo ser surpreendido por uma
fiscalização. Isso engessa a economia, gera desemprego e diminui a arrecadação
de impostos, cria um espiral de pobreza.
P: Há madeireiros corretos?
R: Sim, e muitos. O problema é que eles não tiveram firmeza
em resistir aos achaques; foram covardes. Também não se modernizaram e não se
organizam por meio de entidades fortes.
P: A impunidade estimula a corrupção?
R: Evidente que sim. O ex-secretário de Estado de Meio
Ambiente, Aníbal Picanço, desde que era superintendente do Ibama no Pará,
colocado por Marcílio Monteiro, deu demonstrações de riqueza do dia pra noite.
Passeava todo final de semana na orla de Belém em uma lancha avaliada em 1,5
milhão de dólares, às vezes em companhia de outras autoridades federais. O
cidadão médio acaba achando que isso é o certo e que só existe esse caminho
para resolver as coisas. Temos a responsabilidade, cidadãos e Poder Público, de
punir isso tudo, ou acabaremos com a República.
P: O senhor não teme ser processado por suas afirmações?
R: Eu desafio a quem acuso a me processar. Tenho provas do
que digo. A única vez em que me levaram a juízo foi para responder a uma
interpelação, ocasião em que confirmei tudo o que disse. Aí não tiveram coragem
de me processar. Na Polícia Federal, já dei depoimento reafirmando as acusações
que faço.
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(Diário do Pará)