De público, quase ninguém assume objetivamente a descrença em relação a projetos que, uma vez executados, dariam à cadeia logística do Pará uma posição de destaque no plano nacional, e, ao Brasil, ofereceriam a possibilidade de destravar o escoamento de sua produção agrícola, hoje sabidamente um dos mais graves problemas da economia nacional. Em privado, a conversa é bem outra. Não há confiança, mas apenas descrédito e desânimo, embora não devesse ser assim.
A saturação da capacidade operacional dos principais portos localizados no Sul e no Sudeste tornou dramáticas as deficiências da infraestrutura e logística no Brasil, acarretando sérios prejuízos aos exportadores, elevando a níveis insuportáveis os custos de
transporte e reduzindo substancialmente a competitividade da produção brasileira. Sob a ótica da racionalidade, os projetos previstos – e até anunciados – para execução no Pará eram não apenas desejáveis, mas rigorosamente necessários.
Entre empresários, investidores, técnicos do setor, altos funcionários do Estado e membros da academia, porém, já quase ninguém mais acredita que venham a ser executados, pelo menos num horizonte de médio prazo, empreendimentos que mudariam o cenário econômico paraense. Nessa lista se incluem o derrocamento do Pedral do Lourenço, a Hidrovia do Tocantins – mesmo que apenas no trecho final, de Marabá até Vila do Conde –, e o ramal da
Ferrovia Norte/Sul que deveria ligar Açailândia, no Maranhão, ao município de Barcarena, já próximo a Belém.
Note-se que já nem se fala mais de empreendimentos até recentemente tidos como certos e outros chegaram a gerar especulações. No primeiro caso está o da siderúrgica Alpa, na
cidadede Marabá, anunciada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para implantação pela Vale em parceria com investidores externos. O projeto foi abortado pelo aparente desinteresse do governo em implantar a hidrovia do Tocantins a partir de Marabá. A consolidação do eixo hidroviário era condição necessária para viabilizar a planta siderúrgica.
Sem a hidrovia do Tocantins – já que permanecem indefinidas as obras de derrocamento que deveriam assegurar sua navegabilidade plena –, e com o sepultamento da Alpa, virou pó, também, o projeto do polo metal mecânico cujo nascimento, num extenso eixo que abrangeria as regiões mineiras do sul e do sudeste do Pará, só poderia ser viabilizado pela siderurgia. A aciaria representava, portanto, o ponto de partida para a tão esperada verticalização da indústria mineral paraense.
Como há um encadeamento lógico em empreendimentos nessa área, representando cada um deles um elo complementar da cadeia logística projetada, quando “cai” um projeto a consequência é o efeito dominó, com novas quedas em sequência. É o que está acontecendo no Pará, cuja infraestrutura de
transportes corre o risco de estagnação por mais duas décadas, pelo menos, na opinião dos especialistas.
O Estado teve que esperar cerca de trinta anos para ver concluídas as eclusas de Tucuruí, obra que, com custo final de cerca de R$ 1,8 bilhão, em valores atualizados, permanece hoje praticamente inútil porque não se fez – e parece que não se pretende fazer – o seu complemento, que seriam as obras de derrocamento e dragagem em trechos pontuais do rio Tocantins. Sem a hidrovia, perdeu-se a Alpa e, com ela, também o polo metal mecânico.
DNIT: Decisão é “inexplicável”
O engenheiro Luiz Antonio Pagot, reconhecido nacionalmente como profundo conhecedor da infraestrutura brasileira, ocupava o cargo de diretor geral do DNit quando foi entregue o projeto de derrocamento elaborado pela Universidade Federal do Pará. O estudo, segundo ele, foi analisado e aprovado pelos técnicos do DNit. “Era um projeto bom, muito bom. Tanto que foi aprovado e a seguir licitado”, acrescentou ele, em conversa com a reportagem do DIÁRIO quando esteve em Belém, há pouco mais de uma semana, para participar do 1º Seminário de Logística da Amazônia.
Pagot lembrou que, quando saiu o resultado da licitação, sendo declarada vencedora a empresa Triunfo, foi deslanchado, coincidentemente, o processo que resultaria na declaração de inidoneidade da empresa. Exatamente nesse período, ele deixou o cargo e aí o projeto desandou. “Se não fosse isso, a obra fatalmente teria acontecido”, declarou, acrescentando que, entre as alternativas disponíveis, ele teria providenciado uma nova licitação ou mesmo contratado a segunda colocada.
O que lhe causa espanto até hoje, conforme frisou, foi o que aconteceu depois de sua saída do DNit. Enquanto ele estava lá, a Triunfo, que vencera a licitação, foi alijada por um processo de inidoneidade. Apenas quatro meses depois, porém, a mesma Triunfo foi habilitada e ganhou a concorrência do aeroporto de Viracopos, em Campinas, São Paulo. “Ela (Triunfo) deixou de ser contratada numa obra de R$ 360 milhões para ser contratada, logo depois, numa obra de R$ 4 bilhões. Isso é inexplicável”, enfatizou.
Luiz Antonio Pagot parece pouco propenso a aceitar como válidas, também, as alegações atuais do DNit sobre dificuldades que estariam retardando a execução do projeto. Os estudos indicando a existência dos pedrais do rio Tocantins, segundo ele, são muito antigos e remontam ainda à época do Geipot, o antigo o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, criado em 1965 pelo governo militar e extinto em 2002, já como Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes.
A própria Ahimor (Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental, com sede em Belém), há cerca de 15 anos, conforme frisou, fez estudos detalhados sobre as formações rochosas do Tocantins e as restrições à navegação existentes em pontos diversos do rio. Depois disso, outros estudos se seguiram, de forma que o Ministério dos Transportes tinha – e tem – conhecimento de sobra sobre os problemas de navegabilidade do Tocantins, tanto a montante quanto a jusante da barragem de Tucuruí.
Para que se possa dispor ali de condições adequadas de navegabilidade, inclusive para comboios de grande porte, afirmou Luiz Antonio Pagot, são necessárias intervenções rio abaixo no Pedral do Lourenço e ainda nos acessos a Marabá, incluindo obras dragagem para retirada de aproximadamente 1,2 milhão de metros cúbicos de areia. Isso, depois do Pedral do Lourenço, em direção a Marabá. “Mas tudo isso é sabido, foi muito bem estudado, inclusive com a proposição de medidas mitigadoras. Tanto que o projeto foi licenciado. E foi um processo tão rigoroso que o licenciamento só saiu depois de anos”, completou.
Professor faz críticas ao órgão
Quando esteve em Belém, nos dias 12 e 13 deste mês, para participar do 1º Seminário Logístico da Amazônia, o diretor de Infraestrutura Aquaviária do DNIT, Valter Casemiro, causou aos presentes um misto de espanto e indignação ao anunciar mudanças no projeto antes aprovado para o derrocamento do Pedral do Lourenço, no rio Tocantins. O canal central de navegação, projetado pela UFPA com 70 metros de largura, passaria a ter 145 metros.
Essa simples mudança vai multiplicar por mais de quatro vezes o volume de pedras a ser removido do leito do rio, que, de 700 mil metros cúbicos, previstos no projeto original, elaborado pela UFPA, passaria a quase três milhões de metros cúbicos. A conclusão, entre os participantes do seminário, foi geral, prevalecendo o entendimento de que nenhum órgão vai aprovar licenciamento ambiental para um projeto com impacto dessa dimensão.
Diretor da Faculdade de Engenharia Naval da UFPA e coordenador da equipe que realizou para o DNIT o primeiro projeto de derrocamento, o professor Hito Braga de Moraes se mostra hoje descrente e adota uma linguagem dura quando trata do assunto. “Na minha opinião, da maneira como o DNIT está conduzindo o projeto, o mesmo não sai, talvez propositalmente”, disse ele. E acrescentou: “Pois, com o novo canal sugerido pela Marinha o impacto ambiental será muito grande e necessitará de novos estudos ambientais que travarão totalmente a curto e médio prazo o início das obras”.
Como têm circulado versões contraditórias sobre o assunto, Hito Braga de Moraes deixou claro que só existem, para derrocamento do Pedral do Lourenço, dois projetos entregues ao DNIT, sendo o primeiro da UFPA, coordenado por ele, e o outro da empresa CB&I, contratada pela Vale. Entretanto, ressaltou, só o projeto da UFPA foi aprovado pelo DNIT, visto que, segundo informações oriundas da direção daquele órgão em Brasília, o projeto da empresa CB&I teria sido entregue com muitas falhas. Acrescentou Hito Moraes que o projeto elaborado pela CB&I, embora devesse ter nível executivo, não teria condições sequer para ser licitado, já que não alcançou nem mesmo nível básico.
De acordo com o diretor da Faculdade de Engenharia Naval do Pará, o projeto elaborado pela UFPA teve custo de R$ 1,5 milhão, enquanto o da CB&I teria custado à Vale, que o patrocinou, R$ 20 milhões. Agora, a Universidade Federal do Paraná está fazendo uma adequação desse segundo projeto, que antes não obteve aprovação do DNIT. A entrega do novo estudo, revisado, está marcada para a próxima sexta-feira, dia 29. O DNIT já avisou que pretende lançar o edital de sua licitação ainda em dezembro. Difícil é acreditar nisso, sobretudo em se tratando de um projeto que não tem ainda licenciamento ambiental.
Sem Alpa, Marabá busca novos caminhos
Líder político e empresarial com grande influência em Marabá e em toda a região sudeste do Pará, o empresário Ítalo Ipojucan, ex-presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae e da Associação Comercial e Industrial de Marabá, ainda não jogou a toalha em relação às obras de derrocamento do rio Tocantins. O projeto é uma pré-condição para consolidar o eixo hidroviário a partir daquela cidade até o porto de Vila do Conde, em Barcarena. Para ele, a navegação terá no futuro um papel estratégico no desenvolvimento do agronegócio em toda aquela região.
A execução do projeto de derrocamento era também condição necessária para a implantação da Alpa, a Aços Laminados do Pará, uma siderúrgica projetada pela Vale a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No empreendimento siderúrgico, Ítalo Ipojucan, ex e hoje novamente secretário municipal de Indústria, Comércio, Mineração, Ciência e Tecnologia de Marabá, já não leva a menor fé. “Não acredito que o projeto Alpa, pelo menos no médio prazo, seja passível de realização”, disse ele, lastreando seu ponto de vista em dois fatores. Um, o cenário econômico internacional, pouco favorável a empreendimentos desse tipo. Dois, a nova estratégia de negócios adotada pela Vale, de privilegiar investimentos em ativos de retorno mais imediato.
Para Ítalo Ipojucan, o caso Alpa foi “uma expectativa frustrada, que nos custou muito caro”. O desfecho melancólico do empreendimento, aparentemente já arquivado pela direção da Vale, porém, não deve ser visto, na opinião dele, como motivo de indisposição com a mineradora, cuja atuação continua sendo, do ponto de vista econômico, muito importante para Marabá e toda a região. “Decididamente, a Alpa não é algo que devamos mais ficar aguardando”, disse ele, acrescentando que as atenções se voltam agora para o fortalecimento da logística com a navegação e a reconfiguração do cenário econômico para a atração de novas indústrias.
A plataforma redesenhada para o setor industrial em Marabá, segundo Ítalo Ipojucan, já começa a dar resultados concretos. Um exemplo é o da empresa Correias Mercúrio, com sede em Jundiaí, São Paulo. Maior fabricante e exportadora de correias industriais do Brasil, ela foi atraída por gestões da Secretaria da Indústria, Comércio e Mineração do Estado e hoje já tem praticamente um pé em Marabá. Como a Mercúrio é uma grande fornecedora para o setor de mineração, tendo inclusive a Vale como um de seus grandes clientes, considera Ítalo Ipojucan que novas oportunidades de negócios se abrem na região.
“Isso mostra o quanto a Vale continua sendo importante para nós. A sintonia da Vale com os interesses da cidade e do Estado tem a capacidade de atrair novas empresas”, disse ele. As perspectivas que se abrem para novos investimentos na região foram ressaltadas também pelo secretário de Indústria, Comércio e Mineração do Estado, David Leal. Ele disse que a Mercúrio não virá sozinha, mas deverá atrair para Marabá também os seus fornecedores.
Ainda no setor mineral, Ítalo Ipojucan acena com a possibilidade de dois novos empreendimentos voltados para a produção de cimento, sendo um tocado pelo Grupo Votorantim, que já explora uma mina de calcário entre Marabá e Xambioá, e outro em estudo pela Sidepar, que iniciou suas atividades naquele município com a produção de gusa. Outro setor que vem ganhando dinâmica surpreendente, conforme frisou, é o comércio atacadista. “Várias grandes empresas do Brasil começam a se instalar em Marabá com suas estruturas de atacado”, finalizou.
(Diário do Pará).