Do Blog Conversa Afiada
Joan Edesson de Oliveira
Morreu na última terça-feira, 21, a dona Bené, ou Tia Bené, como era chamada por muitos. Foi, provavelmente, depois da Dozinha e da Chica Fulepão, a mais famosa e mais importante das “madames” de Sobral. O cabaré da Bené é um sobrevivente, dos últimos de uma instituição que entrou em crise com a “modernidade” do final do século passado a estas duas primeiras décadas do vinte e um. Mulher forte, dona Bené granjeou o respeito de muitos, clientes ou não, que lamentaram sinceramente a sua morte.
No mesmo dia em que dona Bené partiu a Comissão de Constituição e Justiça do Senado fazia a segunda rodada da sabatina ao candidato a ministro do STF, brilhante cabeça de muitos predicados (ou seria brilhosa?). Digo segunda, porque a primeira rodada da sabatina ocorreu duas semanas antes, a bordo de um (...) flutuante, com um grupo mais reduzido de senadores, todos de ilibada reputação, a maioria com pequenas pendengas judiciais, nada de muito grave.
Claro que, num país em que uma proeminente autoridade afirma, candidamente, que “as instituições estão funcionando”, o rega-bofe na chalana, The Love Boat em língua mais culta e civilizada, não constituiu nenhum escândalo. Afinal, era apenas um pequeno grupo de investigados confraternizando alegre e inocentemente com o seu futuro juiz, nada que mereça uma manifestação de homens e mulheres de bens, com camisas amarelas da CBF e expressando sua cívica indignação.
Jucá, aquele dos diálogos edificantes com Machado, defensor da solução Temer, pregador da conciliação nacional, com Supremo e tudo, democrata convicto que é, havia bradado na segunda, 20, que suruba é pra todo mundo, não pode ser suruba selecionada. Prócer da Nação, Jucá quer que todos tenham direito à suruba: é preciso acabar com a seletividade.
Além de democrata, Jucá é também uma espécie de vidente. Das suas previsões naquela famosa e educativa conversa com Machado quase todas se realizaram. Parece que ainda não se concretizou aquela em que ele previa que Aécio seria o primeiro a ser comido.
Por falar em Aécio, outro exemplo de honradez, foi ele um dos mais aguerridos defensores de Alexandre Moraes na suruba no Senado. Desculpem, na sabatina. Sabatina imortalizada, aliás, pelo fotógrafo Dida Sampaio, que captou a emblemática piscadela de Moraes para Lobão, outro dos probos senadores envolvido em minúsculas questões judiciais.
O certo é que, nas últimas semanas, Jucá acertou mais uma vez. Convescote num (...) flutuante, sabatina de faz de conta, plágios, pós-doutorados inexistentes, falsas honrarias da ONU, cartões corporativos presidenciais com gastos secretos e astronômicos,
careca que entra e
careca que sai, tudo isso remete a uma grande suruba, como quer Jucá.
Recatada, do lar, como convém a esse governo ilegítimo, mas de qualquer forma uma suruba.
Dona Cármen, que como vidente não acerta tanto quanto Jucá, deve estar surpresa com o funcionamento das instituições. Afinal, contrariando suas previsões, o escárnio e o cinismo estão vencendo: o crime já venceu a justiça, a imunidade confundiu-se com a impunidade, e a Constituição foi rasgada à luz do dia.
A Justiça, frente a isso, cada vez mais é uma estátua com os olhos vendados.
Voltando a dona Bené, a última madame de cabaré de Sobral, não há dúvidas que no seu estabelecimento havia muito mais honra, decoro, respeito e pudor do que na infame suruba do Jucá.
Joan Edesson de Oliveira é educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.