Na linha de frente contra a violência
Pandemia amplia casos de violência doméstica contra a mulher e exige esforço redobrado da sociedade
Leila Marco
Entre os desafios que se apresentam na atualidade, o de trabalhar pelo fim da violência doméstica e familiar é um dos mais urgentes. A Lei Maria da Penha, que completa 15 anos em 7 de agosto, apesar de ser uma das melhores do mundo, pois cria mecanismos para reprimir esse tipo de opressão e punir os seus agressores, ainda possui desafios para ser completamente posta em prática, porque esbarra na falta de políticas públicas, conforme destacou a própria farmacêutica e ativista Maria da Penha, que dá nome à lei, em carta enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 1º de fevereiro de 2021, quando essa batalhadora completava 76 anos.
Se não bastassem as barreiras socioculturais que o país apresenta no enfrentamento a essa violação de direitos, a pandemia do novo coronavírus acentuou o que já era difícil. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), publicado em 19 de outubro, houve um aumento de 1,9% de ocorrências de feminicídios no primeiro semestre de 2020, com 648 casos. Já os registros de violência contra meninas e mulheres, como lesão corporal, ameaças e estupro, caíram em até 22,2% em relação ao mesmo período de 2019.
+ Saiba mais sobre o assunto na edição nº 257 da revista BOA VONTADE. Acesse: https://issuu.com/revistaboavontade/docs/bv_257
Segundo a análise do estudo, a queda desses percentuais assinala o aumento das subnotificações dos casos de agressão contra as mulheres com o início das medidas de distanciamento social para o combate à Covid-19.
E é fácil entender o porquê, visto que esse público ficou exposto de forma mais intensa e demorada a seus agressores, que em boa parte estão, como apontam pesquisas, no próprio lar ou na vizinhança: maridos, companheiros, namorados, pais e padrastos. O anuá¬rio alerta que, no mesmo período, a taxa de ligações para o telefone 190 (com referência à violência doméstica) cresceu 3,8%.
Além dos canais de denúncia, como a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e o aplicativo Direitos Humanos BR, muitas organizações do Terceiro Setor tem se engajado no apoio direto a mulheres que sofrem algum tipo de violação de direitos. Dentre elas, o Instituto Maria da Penha, Apolônias do Bem, União de Mulheres da Amelinha Teles, Instituto Patrícia Galvão, assim como o projeto As Justiceiras.
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REDE DE APOIO CONTRA O CICLO DE VIOLÊNCIA
A Legião da Boa Vontade (www.lbv.org) soma esforços junto a essas e tantas outras instituições, trabalhando na proteção básica da Assistência Social, cujas premissas são a prevenção e o reconhecimento das vulnerabilidades e riscos sociais, “quando a violação ocorre, nosso papel ao identificar a situação é mobilizar a rede socioassistencial para as soluções e os desdobramentos do Sistema de Garantia de Direitos”, explica Wilson Bigas, gerente do Departamento Socioassistencial da Entidade.
Durante a pandemia, graças ao acompanhamento psicossocial realizado, que se utiliza da técnica de abordagem denominada Escu¬ta Qualificada, na qual assistentes sociais, psicólogas e pedagogas da Entidade fazem contato telefônico a cada 15 ou 30 dias com os atendidos da LBV ou atendem à pessoa que chega à unidade, a equipe toma conhecimento da situação delas, buscando saber se há alguma necessidade específica em que possam colaborar, se estão precisando de informação de utilidade pública, bem como verificar se casos de violência doméstica, como tortura, maus-tratos, privação de liberdade, abandono, isolamento, entre outras graves situações, têm ocorrido ou se perpetuado.
O atendimento não é pontual. Ele faz parte de um processo contínuo e permanente, no qual a equipe técnica da LBV — além de encaminhar a mulher agredida a órgãos da rede de proteção à vítima de violência — acompanha diretamente com o Sistema de Garantia de Direitos a evolução do caso, bem como mantém contato com a própria usuária, a fim de verificar se ela conseguiu o serviço, se teve alguma dificuldade de acesso, entre outras questões. Tudo isso para que possa resgatar suas potencialidades e voltar o olhar para o autocuidado e para seus projetos de vida.
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Exemplo do resultado desse trabalho é J., 44 anos, residente na capital potiguar, que, depois de duas décadas sofrendo agressões do marido (conheça mais de sua história na p. 22), conseguiu autonomia financeira para romper o ciclo de violência no lar. “Obrigada à LBV, pois, quando mais precisei, encontrei apoio. Faltava até comida em casa para dar aos meus filhos, chego a me emocionar [ao lembrar] dos dias mais difíceis que passei e ao ver como foi bom ter tido essa oportunidade [na Instituição]. Por essa e outras coisas que eu amo a LBV. Tenho um carinho especial pelos profissionais; é muito importante procurar e encontrar ajuda em um momento tão difícil”, ressalta.