Por Luciana Alvarez - iG
Envenenamentos em massa estão em conflitos desde a Antiguidade; agente usado na Síria está entre os mais letais.
O uso de armas químicas na guerra civil da Síria é o pivô da atual crise diplomática que envolve o país do regime Bashar al-Assad , mas a ideia de derrotar o inimigo por meio de alguma forma de envenamento em massa está presente nos conflitos desde a Antiguidade.
Documentos mostram que em 2 mil a.C. era comum que militares na Índia empregassem "cortinas de fumaça", uma espécie de incêndio que liberava vapores altamente tóxicos. Na Grécia Antiga, os espartanos cercavam cidades inimigas com madeira, enxofre e piche, uma combinação que criava gases sufocantes.
|
Vietnamitas correm após ataque dos EUA com uso de napalm durante a Guerra do Vietnã (8/6/1972). |
Mais tarde, para expandir seu império, os romanos levavam em seus Exércitos especialistas em envenenamento, que contaminavam as fontes de água potável da população.
Na atualidade, a definição mais aceita caracteriza as armas químicas como quaisquer substâncias tóxicas capazes de matar, ferir, incapacitar ou provocar irritação dos sentidos quando lançadas em dispositivos como morteiros, bombas, foguetes ou mísseis.
Por serem relativamente fáceis de fabricar e, mesmo pequenas quantidades, terem um grande potencial devastador, as armas químicas são as armas de destruição em massa que mais provocaram vítimas na história, de acordo com o grupo de estudos Nuclear Threat Inintciative (NTI). Os materiais necessários para a produção do gás neurológico sarin , por exemplo, são conhecidos há mais de 50 anos e o processo pode ser feito por laboratórios de moderada tecnologia.
A aplicação das armas químicas modernas aconteceu pela primeira vez de forma marcante durante a Primeira Guerra (1914–1918). Os Exércitos alemão, francês e britânico usaram gases venenosos (cloro e mostarda) para aniquilar soldados inimigos. Estima-se que os agentes químicos tenham matado 100 mil e ferido mais de 1 milhão durante o conflito.
Desde então, há inúmeros relatos do emprego de armas químicas, embora em menor escala. Em 1919, a antiga União Soviética (1922-1990) usou gás mostarda contra um levante de povos muçulmanos na Ásia Central. Dois anos mais tarde, a Espanha também usou o mesmo gás mostarda para conter uma revolta no Marrocos.
Na década de 1930, o Japão fez amplo uso suas armas químicas na invasão da Manchúria e na posterior ocupação de áreas chinesas. Na mesma época, sob o comando de Mussolini, a Itália lançou gases tóxicos para conter a população na sua colônia na Líbia e para invadir a Etiópia.
Foi durante a Segunda Guerra (1939–1945) que apareceram os primeiros agentes neurológicos, desenvolvidos pelos nazistas. Embora os alemães não os tenham usado nos campos de batalha, eles foram bastante empregados para matar judeus nos campos de concentração.
Na Guerra do Vietnã (1961-1967), os EUA pulverizaram o chamado agente laranja, uma mistura de dois herbicidas, sobre as selvas do Vietnã do Sul. Além de destruir plantações e a floresta densa onde guerrilheiros se escondiam, a substância provocou na população síndromes neurológicas, câncer e malformações congênitas.
Há também provas de que Sadam Hussein empregou armas químicas na guerra entre Irã e Iraque (1980-1988), embora ele acusasse o Irã de ter feito o mesmo. Em 1991, o ditador iraquiano voltou a usar os agentes letais contra aldeias curdas em Halabja, norte do país. Outro episódio marcante foi o ataque terrorista perpetrado pela seita radical Verdade Suprema em 1995 com sarin no metrô de Tóquio, Japão. Apesar do número relativamente baixo de mortes – 12 pessoas – o atentado mostrou o risco que essas substâncias representam nas mãos de pequenos grupos, não ligados a nenhum Estado.
Proteção internacional
Por serem consideradas armas de destruição em massa, o uso de armas químicas é banido pela lei internacional. Na polêmica atual, os EUA e seus aliados dizem haver evidências de que o regime de Assad fez uso de armas químicas , enquanto a Rússia alega que ataques desse tipo foram realizados pelos rebeldes que lutam contra o governo há mais de dois anos.
O governo sírio admitiu possuir armas químicas, mas sempre negou que as tivesse empregado na guerra civil. Nesta sexta-feira, representantes de Assad entregaram à Organização para a Proibição de Armas Químicas um relatório inicial sobre pesquisas e localização dos agentes químicos que possuem.
Como parte de um acordo estabelecido entre EUA e Rússia para evitar um ataque militar liderado por Washington contra a Síria, o regime Assad deverá aderir em outubro a Convenção de Armas Químicas , que obriga seus participantes a destruírem seus arsenais e não mais fabricarem agentes químicos. Os países que não fazem parte do tratado são Coreia do Norte, Egito, Angola, Sudão do Sul, Israel e Mianmar, sendo que os dois últimos assinaram, mas não tiveram a decisão ratificada por seus parlamentos.
Apesar de serem signatários da convenção, EUA e Rússia, que produziram grandes quantidades de agentes químicos letais durante a Guerra Fria (1945-1990), ainda não conseguiram destruir completamente seus arsenais. O estoque americano chegou a 31 mil toneladas e o russo, a 44 mil. O prazo para dar fim a todo o material era abril de 2012 já foi perdido; a nova estimativa é que a destruição termine em 2023.
Como destruir as armas químicas?
A extensão do prazo para americanos e russos ilustra como é difícil – e caro – destruir as armas químicas . Nos EUA, o processo custou em média aos cofres públicos US$ 1 bilhão a cada mil toneladas. Pelo acordo firmado entre EUA e Rússia, os inspetores de armas devem entrar na Síria em novembro para começar o processo de destruição do arsenal e do equipamento de produção. Tudo deverá ser eliminado até meados de 2014.
Mas tecnologias envolvidas para destruir armas químicas exigem construções sofisticadas, podem levar vários anos para serem erguidas. Os agente químicos são vulneráveis demais para serem transportados em segurança para locais distantes, especialmente em um país que se encontra em guerra civil.
Segundo o programa de destruição de armas químicas do exército americano, o processo tem três etapas básicas:
1. Quebrar a arma, ou seja, tirar a munição química dos mísseis, foguetes, morteiros, etc.
2. Drenar os agentes químicos, um processo que deve ser feito por robôs.
3. Após isolados, os agentes químicos devem ser destruídos. Isso pode ser feito basicamente por dois métodos: incineração ou neutralização (que consiste em misturar outros agentes químicos que provoquem uma reação de acabar com a toxicidade da substância original). Em ambos os casos, envolve-se a construção de usinas com capacidade para suportar altas temperaturas e processar os efluentes tóxicos que se formam no processo, como gases que precisam passar por vários filtros.
Quais são os tipos de armas químicas mais comuns?
As armas químicas costumam ser divididas em quatro categorias, de acordo com a forma que agem no corpo humano.
Agentes neurológicos - São o tipo mais letal, pois paralisam o sistema nervoso central, impedindo a respiração e os batimentos cardíacos quando inalados ou absorvidos pela pele. São agentes neurológicos o tabun , o VX e o sarin .
Agentes vesiculantes - Essas substâncias provocam queimaduras severas e levam à formação de bolhas nos tecidos humanos, podendo causar a morte, sobretudo se inalados. O gás mostarda é um agente vesiculante.
Agentes asfixiantes - Esses agentes causam lesões sérias no pulmão, o que dificulta a respiração, podendo provocar paradas. São eles o gás cloro , o fosfogênio e a cloropicrina.
Agentes sanguíneos - Interferem na capacidade do sangue de transferir oxigênio para os tecidos. Entre eles estão o gás cianídrico , o cloreto de cianogênio e o brometo de cianogêneio.