sexta-feira 08 2010
Os votos de Marina, por Marcos Coimbra
De CartaCapital
Marina em verde e rosa
Marcos Coimbra
A votação que a candidata do PV obteve na reta final da campanha não é igual a conquistada no início. Originou-se em outros segmentos
Em um país do tamanho do nosso, qualquer candidato bem votado recebe todo tipo de voto. Não faz sentido dizer que um só é votado por determinados eleitores, outro por outros. Nestas eleições, isso se aplica a Dilma, Serra e Marina.
É possível, contudo, identificar os traços mais característicos dos eleitores de cada um. Dos eleitores de Dilma, por exemplo. Sabemos o que costumam pensar sobre Lula e o PT, e como encaram a discussão sobre as políticas do governo e sua continuidade. O mesmo vale para Serra. Conhecemos quem votou nele. Seus sentimentos em relação ao atual presidente, como o comparam a Fernando Henrique, o que acham do PT e dos petistas.
Entre os eleitores de Dilma e de Serra, há diversidade de opiniões, mas elas não variam de oito a oitenta. Quem vota nela pode não querer que tudo do governo seja mantido, mas não defende que tudo seja mudado. Pode fazer críticas a Lula, mas não diz que é péssimo. Talvez discorde do modo como o Bolsa Família é operacionalizado, mas não o chama de esmola.
Tampouco os eleitores de Serra pensam em bloco. Mas não deve haver um só que ache, sinceramente, que Lula é ótimo. Ou que não queira que muita coisa de seu governo mude. Que não antipatize (nem que seja um pouco) com o PT.
Em relação a Marina, no entanto, isso não vale. Seja nos atributos socioeconômicos, seja nos valores e atitudes políticas, seus eleitores são muito heterogêneos.
Todo mundo concorda que as eleições foram para o segundo turno por causa dela. Não foi o desempenho de Serra que o provocou. Ele obteve, na urna, quase exatamente o voto que, desde o primeiro semestre, as pesquisas projetavam. Ou seja, sua campanha não atraiu mais eleitores que aqueles com os quais sempre contou: uma boa parte de São Paulo, o antipetismo, o voto de homenagem por sua trajetória. O adicional que tinha, vindo do desconhecimento de suas adversárias, sumiu e não foi recuperado.
Dilma perdeu votos para Marina. Foi seu crescimento, lento a partir da segunda semana de setembro, e exponencial nos últimos três dias, que tirou cerca de 10 pontos da candidata do PT. Com isso, Marina mais que dobrou o tamanho que tinha em fins de agosto e provocou o segundo turno.
Houve dois votos em Marina nestas eleições: um que obteve cedo, outro que conquistou na reta final. É preciso entender os dois, para que possamos imaginar como será o segundo turno.
O voto "antigo" em Marina é o voto da agenda verde. Os 8% a 10% que ela havia alcançado ainda em maio provinham, na sua maioria, de eleitores sensíveis aos temas ambientais, que se revelavam tão atentos à questão que se dispunham- a um "voto de atitude", para mostrar sua insatisfação com o descaso do sistema político brasileiro em relação ao assunto.
Havia, nele, outros elementos, de cunho regional (pela origem da candidata no Norte) e religioso (decorrente de sua inserção na comunidade evangélica). Mas não seria errado dizer que era um "voto verde", de quem conhecia Serra e Dilma e não pensava em nenhum dos dois.
O voto que ela adquiriu no final da eleição não é igual. Originou-se em outros segmentos da sociedade e foi movido por valores diferentes.
Esse voto "novo" em Marina veio de quem a escolheu pelos atributos pessoais e não pela agenda. É porque gostaram dela que esses eleitores se tornaram, subitamente, verdes. Não como os de antes, que o eram por convicção, independentemente de quem fosse o candidato que representasse o tema.
Houve uma segunda onda de votos em Marina. Como mostram algumas pesquisas, foi basicamente metropolitana, feminina e de classe média, típica de mulheres jovens, com média e alta escolaridade, muitas evangélicas. Um voto de quem a viu como uma "pessoa diferente", mais "humana" e mais "gente" que Dilma e Serra. De quem tinha tendido para Dilma durante boa parte da eleição.
Se tivemos uma "onda verde", essa foi uma "onda rosa". A primeira com fundamentos racionais, a segunda assentada nas emoções.
E agora no segundo turno? É possível imaginar um só destino para eleitores tão díspares? Terão Dilma ou Serra como atrair os "verdes", que não gostavam de nenhum dos dois? E como falar com os integrantes da segunda onda, que pouca atenção prestam às questões programáticas?
Ataques
Do Blog Flanar
Para os mais jovens que nunca ouviram falar sobre essas organizações obscuras da Igreja Católica, recomendo que procurem informações sobre elas na Agencia Latinoamericana de Informacion, no Observatório da Imprensa e no quase esquecido texto de Dom Estevão Bettencourt, liderança católica falecida em 2008.
É impressionante a decisão irresponsável do PSDB de construir um cisma religioso como pedra de toque para disputar as eleições presidenciais. Entretanto à irresponsabilidade apontada soma-se o cinismo de atitude, como por exemplo com respeito a questão do aborto, que faz parte da Política da Saúde da Mulher que o candidato Serra oficializou quando esteve ministro da Saúde no governo de FHC.
Entretanto, hoje, aflito por votos e vampirizando eleitores, o candidato do PSDB diz que implantou a política porque foi enganado pelas feministas do eixo do mal - sim, porque também ele usa dessa nomenclatura para ofender a quem não comunga de seus objetivos e interesses, nem diz amém para a saionaria com que ofende a Dilma.
Assim o plano acordado entre aqueles personagens macbethianos, citados no início da postagem, é aumentar neste final de semana a virulência dos ataques contra a candidata petista, tendo como pano de fundo aqueles anteriores que desinformaram o eleitor no primeiro turno das eleições. O horror, portanto.
E atentem: eu escrevi candidata, e não candidatura.
Dize-me com quem andas e eu te direi quem és, diz o ditado. Pois assim parece o tucano José Serra depois de trazer para sua candidatura a organização católica trans-nacional de extrema-direita Tradição, Família e Propriedade, alguns pastores de igual cepa, além de membros da ultra-conservadora Opus Dei, que orienta o governador eleito Geraldo Alckmin no Palácio Bandeirantes.
Para os mais jovens que nunca ouviram falar sobre essas organizações obscuras da Igreja Católica, recomendo que procurem informações sobre elas na Agencia Latinoamericana de Informacion, no Observatório da Imprensa e no quase esquecido texto de Dom Estevão Bettencourt, liderança católica falecida em 2008.
É impressionante a decisão irresponsável do PSDB de construir um cisma religioso como pedra de toque para disputar as eleições presidenciais. Entretanto à irresponsabilidade apontada soma-se o cinismo de atitude, como por exemplo com respeito a questão do aborto, que faz parte da Política da Saúde da Mulher que o candidato Serra oficializou quando esteve ministro da Saúde no governo de FHC.
Entretanto, hoje, aflito por votos e vampirizando eleitores, o candidato do PSDB diz que implantou a política porque foi enganado pelas feministas do eixo do mal - sim, porque também ele usa dessa nomenclatura para ofender a quem não comunga de seus objetivos e interesses, nem diz amém para a saionaria com que ofende a Dilma.
Assim o plano acordado entre aqueles personagens macbethianos, citados no início da postagem, é aumentar neste final de semana a virulência dos ataques contra a candidata petista, tendo como pano de fundo aqueles anteriores que desinformaram o eleitor no primeiro turno das eleições. O horror, portanto.
E atentem: eu escrevi candidata, e não candidatura.
quinta-feira 07 2010
Dois pesos...
Maria Rita Kehl - O Estado de S.Paulo
Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas.
O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República.
As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano.
Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas.
O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República.
As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano.
Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.
Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos.
O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.
Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa.
A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense.
A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.
Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso.
Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer.
O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.
O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema.
Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".
Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País.
Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.
Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale.
Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.
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