O triste adeus do poeta de clássicos como 'Como que roupa?' se deu através da tuberculose agravada por seus dois velhos hábitos: o cigarro e o álcool
KAMILLE VIOLA
Talvez por já desconfiar que sua passagem pela Terra seria breve, ou talvez por ter escolhido que assim fosse, Noel Rosa viveu com a intensidade dos que têm urgência. Marcado desde o nascimento, ele nunca teve a saúde muito forte. O problema no queixo ia além da questão estética: não conseguia abrir a boca totalmente, o que dificultava na hora de comer.
Além de ser motivo de vergonha — ele comia escondido desde os tempos do ginásio — também fez com que optasse pelo que fosse fácil de ingerir: sopas e, na maior parte das vezes, apenas bebida alcóolica. A bebida e o cigarro, aliás, foram companheiros aos quais ele foi mais fiel do que a qualquer mulher: mesmo nos períodos em que o médico recomendava repouso, Noel Rosa não abandonava os velhos hábitos.
"Ninguém foi mais boêmio que Noel. Ele passava a noite inteira na rua, dormia o dia inteiro", afirma o jornalista e biógrafo do músico, João Máximo. "O Cartola dizia: 'Como bebia esse rapaz!' Para o Cartola falar isso, imagina", diz. Em 1934, contraiu tuberculose, na época doença assustadora e sem cura. Por insistência da família, foi para a casa dos tios, em Belo Horizonte. Disse que só iria se Lindaura fosse. Dona Martha, sua mãe, exigiu que eles, então, se casassem — o que aconteceu em um cartório no dia 1º de dezembro, muito contra a vontade do noivo.
Chegou à capital mineira em janeiro de 1935 e logo se enturmou com a boemia local. Tudo muito distante das ordens médicas que havia recebido. O que fez com que, em abril, a tia Carmem escrevesse à irmã, avisando que não poderia mais cuidar do sobrinho. A doença nos pulmões voltaria a assombrar Noel outras vezes. Nos últimos anos de vida, os dentes já estavam podres: a pouca abertura da boca sempre dificultou o cuidado com eles. O mau hálito era tanto que ele falava com a mão à boca para disfarçar.
Mas nada era motivo forte o suficiente para que ele abandonasse a cerveja gelada. "O gelo congela os micróbios", dizia a amigos preocupados. Em 1936, começou a se desfazer de coisas que lhe eram queridas. Juntou recortes de jornal sobre ele, guardados desde 30 de julho de 1929. "Quem começou a construir a história do Noel Rosa foi o Noel Rosa, quando juntou suas matérias e colou num álbum, porque sabia que ia morrer no ano seguinte", conta o pesquisador e biógrafo do artista, Carlos Didier.
Já não saía como antes, evitando aparecer em seus lugares preferidos , inclusive a Lapa, onde ainda trabalhava Ceci, agora em outro cabaré. Um dos poucos lugares que ainda visitava era o barraco de Cartola, na Mangueira.
Em novembro de 1936, deixou um começo de samba, 'Nos Três Dias de Folia', para que o amigo terminasse. E explicou que tinha dois discos a gravar e, em um deles, gostaria de ter os ritmistas da Mangueira.
Em seu aniversário de 26 anos, encontrou-se com Ceci. Para ela, pouco antes de morrer, terminou de compor 'Último Desejo', misto de declaração de amor e testamento — e pediu ao amigo Vadico que entregasse a letra à amada.
Ainda foi a Piraí, estado do Rio, com Lindaura, onde foi salvo por um gesto dela, que arrancou com a mão um coágulo de sua garganta. Morreu de tuberculose em 4 de maio de 1937, no mesmo chalé onde nasceu. Do outro lado da rua, a música de uma festa invadia a casa. O poeta teria aplaudido.
Cena final do filme: "Noel, poeta da Vila".
Ainda foi a Piraí, estado do Rio, com Lindaura, onde foi salvo por um gesto dela, que arrancou com a mão um coágulo de sua garganta. Morreu de tuberculose em 4 de maio de 1937, no mesmo chalé onde nasceu. Do outro lado da rua, a música de uma festa invadia a casa. O poeta teria aplaudido.
Cena final do filme: "Noel, poeta da Vila".