A volta do "mensalão"
Época traz de volta o caso «mensalão».
É matéria jornalisticamente mais sólida que as da Veja. Peca por generalizações e manipulação de ênfases.
O esquema Marcos Valério surgiu em Minas, serviu inicialmente ao PSDB, depois espraiou-se democraticamente por outros partidos até fechar o acordo com Delúbio Soares. Era um esquema que mesclava trabalho de agência de publicidade e financiamento de campanha.
Faz parte das manchas trazidas pelos esquemas de financiamento de campanha.
A revista pega os pagamentos das agências de Valério e seleciona aqueles para pessoas que ela quer fuzilar. Se procurar a fundo, irá encontrar pagamentos para a Época, Veja, Folha, Estado, simplesmente porque era a agência da Visanet e do Banco do Brasil, além da Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazonia Celular.
Colocar na lista Paulo Betti e Lanzetta faz parte do estilo que o repórter levou de Veja para a Época. Pena que essa irresponsabilidade se faça em uma revista normalmente mais criteriosa.
zetta trabalhou para Valério, fazendo assessoria no episódio do mensalão; e Paulo Betti tem uma ONG conhecida. Daqui a pouco, o repórter será capaz de acusar donos de restaurante que emitiram notas de estarem em conluio com Valério.
Coloca lateralmente na matéria políticos do PSDB apoiados por Valério. O esquema é suprapartidário. Mas a ênfase é no “mensalão”.
O “mensalão”
Há enorme dose de confusão na discussão sobre se existiu ou não o “mensalão”. Não se discute que existiram pagamentos, ressarcimento de campanha ou o que seja a políticos de vários partidos da base do governo – além de partidos da oposição, na sua derivada mineira. É evidente que houve pagamentos. O que caracterizaria o “mensalão” seria a existência ou não de pagamentos continuados. Aparentemente, o inquérito da PF não conseguiu comprovar a existência de pagamentos continuados.Pelo menos não existe a menor indicação na matéria.
O esquema aparentemente foi similar ao de Minas: ressarcimento de gastos de campanha. Não sei se melhora ou piora o quadro, mas este é o fato. E destinava-se obviamente a comprar o apoio dos beneficiados.
Marcos Valério cobria gastos de campanha de Azeredo, Brandt, Pimentel e Lula. Não há nada que desminta Freud Godoy, de que recebeu pagamento por serviços de segurança prestados a Lula na campanha. Era essa a função dele; e a de Valério era ajudar a financiar campanhas de quem quer que fosse.
A matéria não chega a livrar a cara de Daniel Dantas, o principal financiador do “valerioduto”. Mostra que foram assinados contratos fictícios visando repassar recursos para as agências de Marcos Valério. Mas o coloca como “vítima” do novo governo que assumia.
Certamente as revelações sobre Dantas jamais sairiam na Veja, depois de firmado o acordo entre eles.
Lembro que foi o fato de apontar Dantas como financiador do valerioduto que provocou os ataques do colunista da Veja ao Franklin Martins, no Globo, e a mim, na Folha e a reação de ambos os jornais, rifando seus colunistas.
Ainda não tenho uma opinião conclusiva sobre o que levou os jornais a esse mergulho no apoio a Dantas. No caso da Veja, inicialmente páginas de publicidade; depois, talvez o processo de capitalização da Abril. No da Folha – que se meteu até o pescoço no jogo – talvez a parceria com uma grande tele, já sabendo que as teles seriam as futuras grandes adversárias.
Serra e Dantas
Mas o mais provável é que, já naqueles tempos, tenha sido plantado o esquema Serra.
Não dá para dissociar Serra de Daniel Dantas.
No início da Satiagraha, Fernando Henrique Cardoso foi incisivo: o que está em jogo é a tomada do Estado. Sabia das enormes vinculações de Dantas com diversos políticos e da rede de interesses subterrâneos que domina o submundo da política.
Com exceção de ACM, nenhum político foi mais próximo de Dantas do que José Serra, através de sua filha Verônica.
No boom da Internet, mesmo sendo nova, inexperiente e pouco profunda, Verônica conseguiu participar das maiores tacadas do mercado.
A primeira, o caso Patagon. O próprio dono do Santander pagou aos controladores da Patagon dez vezes mais do que eles pensavam apresentar como proposta. Um dos sócios, com 10% da empresa, pensava em pedir US$ 7 milhões por sua parte. Antes de abrir a boca, o Santander ofereceu US$ 70 milhões. A representante da Patagon no Brasil – e dona de parte das ações – era Verônica Serra.
Não tem lógica pagar dez vezes mais. Não adianta dizer que o momento favorecia o estouro dos preços: pagou dez vezes mais do que os donos estavam dispostos a pedir. Não pode ter sido só o interesse pelo portal.
Na época, após a aquisição do Banespa, o Santander estava desesperado para manter as contas dos funcionários públicos de São Paulo e municípios – que, por lei, só poderiam ter contas em bancos públicos. Conseguiu. Não sei se Serra participou diretamente das tratativas, não sei qual foi a barganha. Mas o banco conseguiu preservar as contas. Essa ligação entre os dois episódios por enquanto é mera ilação.
A segunda tacada foi o tal portal em Miami, sociedade de Verônica Serra e Verônica Dantas, que conseguiu acesso a contas correntes de brasileiros, fichas cadastrais de empresas exportadoras e importadoras, conforme denúncia do Lenadro Fortes na Carta Capital. Não fosse o fim da bolha da Internet, um projeto daquele valeria seguramente mais de US$ 100 milhões.
A exposição de Dantas bateria diretamente em Serra, inviabilizando sua candidatura. Não foi por outro motivo que o mesmo esquema que apoiou Dantas com unhas e dentes foi o da linha de frente de apoio ao Serra.
As denúncias consistentes
Da extensa lista de denúncias contra Marcos Valério, no seu período PT, algumas eram fantasiosas, outras tinham consistência:
A tentativa de levantar a liquidação de um banco do nordeste. Essa informação circulou na época, divulgada em off pelo próprio presidente do BC, Henrique Meirelles.
A demora do INSS em conceder autorização para mais bancos explorarem o crédito consignado para aposentados. Foram meses preciosos, em que o BMG deitou e rolou.