Por Paulo Ghiraldelli - especial para o iG.
Somos infelizes por nos acharmos sabichões ao mostrar a verdade como algo guardado a sete chaves, diz filósofo.
Dia 15, “Dia do Professor”, Nietzsche fez 169 anos. Ele foi um bom professor de filologia. Da filologia deslizou naturalmente para a filosofia, e às vezes se dizia psicólogo. Gostava de ensinar e chegou a dizer que era capaz de fazer até um urso aprender. Ao dizer isso estava pensando, é claro, em certos alunos pouco dotados para a universidade. Ele próprio sabia-se bem apto para o trabalho intelectual. Por isso, desde o início, jamais se defrontou senão com os grandes.
Escolheu como adversário Sócrates! Escolhendo Sócrates levou junto, obviamente, Platão. Nietzsche faz sucesso ainda hoje exatamente por ousar dizer que o melhor que a filosofia tinha a fazer era escapar das garras de Platão!
Nietzsche sempre achou que os ingênuos, aqueles que nunca desconfiaram de William Bonner e Patrícia Poeta, não eram nem um pouco menos sabidos que os desconfiados
Mas o que é escapar das garras de Platão? Em termos maximamente resumidos e tornados palatáveis para o nosso uso aqui: conversemos como quem nunca ouviu falar da Caverna de Platão ou da Rede Globo.
Mas o problema é que uma boa parte de nós, modernos ou herdeiros dos modernos, mesmo que jamais tenhamos lido Platão ou visto Patrícia Poeta, vivemos em uma grande cápsula, envoltos em um líquido que nos traz vestígios de todas as paragens desse recipiente. De alguma maneira, coisas de Platão e de Patrícia acabam por bater em nós.
Mamamos no seio informativo de Patrícia, mas desconfiamos de tudo que esse seio nos fornece, uma vez que damos ouvidos para as dicas platônicas. Essas dicas são terríveis. Somos fracos, e então é impossível não ficar com elas, pois nos fazem acreditar que somos muito sapecas, perspicazes e até inteligentes.
O platonismo nos diz que os seios de Patrícia, que sugamos vorazmente, nos dá um leite que, se é que existe, está mais para um colostro fajuto que para leite real. Então, olhamos do lado e vemos outro bebê, agarrado no seio restante da moça. Ele está feliz. Pensamos: “que tolo, que alienado, não percebe que está se esbaldando com os mamilos, com o sensual bico do seio da Patrícia, mas que está só se enfraquecendo porque dali não sai uma proteína sequer.
O leite é falso!” Platão dizia que os “amantes de espetáculos” não são filósofos. Ficam com o sensível e sensual, não podem ficar com as essências, não apreendem o essencial, o real. A imagem dos seios nus de Patrícia na nossa boca é algo para qualquer amante do espetáculo não botar defeito. No entanto, a cada dia estamos mais fracos, sem proteínas, e então incapazes de gritar e pedir pelo leite real.
Agarrado a uma teta, sei que estou sendo enganado, mas não consigo falar nada. O outro lá, na outra teta, está feliz, não há como não achar que ele é um idiota que não sabe que está sendo enganado. Platão não lhe tocou com a sabedoria da desconfiança, só nós fomos tocados por ela. Somos os bebês críticos.
Mais:
Nietzsche é o professor que aparece para nos dizer que talvez o bebê do lado de lá esteja certo, exatamente porque está feliz: não há leite nenhum nos seios de Patrícia Poeta. Seios não foram feitos para alimentar. Somente os que acham que devem ser alimentandos pensam que seios são feitos para alimentar. O bebê do lado de lá não está mamando para se alimentar, está ali mamando para ter prazer.
Não prazer com leite, que é uma bebida às vezes até nojenta. Está ali abocanhando aquela teta volumosa por ... ah, sei lá, talvez seja um bebê prodígio e esteja fazendo sexo! Só um maluco pegaria um seio da Patrícia Poeta por amor ao conhecimento. Platão nos colocou malucos. Nietzsche quis nos fazer bebês desconfiados da desconfiança, e então, ou menos loucos ou então loucos de tudo - mas não sabichões.
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O professor Nietzsche sempre achou que os chamados ingênuos, aqueles que, para nós, nunca desconfiaram de William Bonner e Patrícia Poeta, não eram nem um pouco menos sabidos que nós, os desconfiados e críticos. Aliás, ele sempre achou que talvez fôssemos infelizes exatamente por acreditar que éramos sabichões ao apontar para a verdade verdadeira como algo guardado a sete chaves por Roberto Marinho, e que agora teria se perdido para sempre, com a sua morte e com o sumiço da chave do cofre, e do próprio cofre. Roberto Marinho “escondeu o leite” - eis aí a lição platônica, que Nietzsche não desmente, pois isso seria afirmar uma verdade a mais; ele apenas a ridiculariza.
Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ