por Joaquim Onésimo
Ferreira Barbosa (*)
É
certo que corrupção é crime. E crime deve ser punido. De igual
modo como se pune um que rouba um sabonete no supermercado,
deveriam ser punidos também os que roubam milhões dos cofres
públicos e ficam por aí, rindo, sem temor da Justiça, que parece
míope para uns e esperta demais para outros.
Quem não se lembra do juiz Lalau, que surrupiou 80 milhões
da construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho (SP), de
Georgina dos Santos, que levou tantos milhões do INSS.
O recente escândalo do propinoduto de São Paulo,
capitaneado nos governos Covas, Serra e Alckmin, todos do PSDB), a
compra de votos para reeleição de Fernando Henrique, o chamado
mensalão tucano do PSDB mineiro (quem quiser saber mais sobre o
caso é só ler os livrosPrivataria tucana e O príncipe da
privataria); o caso Cachoeira, que rendeu horas e páginas
em noticiários, mas que arrefeceu.
E mais: o agora descoberto rombo de 500 milhões da
Prefeitura de São Paulo, na gestão Kassab; também a sonegação de
quase um bilhão que a Rede Globo escondeu de seus noticiários, mas
cujo processo anda a passos de tartaruga na Justiça. Só para citar
alguns dos milhares de casos de corrupção que falham por conta de
uma Justiça lenta, lerda, certas vezes partidária e parcial.
Os Josés Dirceu e Genoíno, Henrique Pizzolato, Delúbio
Soares (a turma do PT), são alguns dos muitos que poderiam lotar
as celas carcerárias. Se gente dessa estirpe fosse presa,
certamente as penitenciárias teriam outros ares: não o de
abandono, não o de cheiro podre e desumano, não o de desrespeito.
Não o desrespeito ao bandido, que, se está atrás das
grades, é porque não respeitou a Lei, mas por desrespeito ao que
se entende por ressocialização e ao contribuinte, que paga para
bandido viver atrás das grades em segurança, enquanto vivemos com
medo da violência que urra aqui fora.
Se gente como a turma que agora saberá o que é dormir em
cadeia fosse presa, certamente a realidade brasileira no quesito
corrupção seria outra, não restam dúvidas. Porém, os mesmos da
Justiça que fazem a pirotecnia na prisão de uns são os mesmos que
mandam soltar assassinos de religiosa, fraudadores de Bancos e
corruptores de funcionários.
Esses mesmos que julgam são os que se aliam a jornalistas
para receber deles os holofotes das câmeras e belas imagens na
primeira página dos jornais: que digam os Mervais da vida, os
Policarpos e os Reinaldos. Que digam os Barbosas, os Fuxs, os
Gilmares.
São eles que vestem a Justiça com uma carapuça do bem e do
mal. Do bem, quando fingem fazer valer a Lei; do mal, quando
fingem esquecer processos em pastas para não sujar a imagem de
peixes graúdos, ou quando escolhem suas vítimas, friamente, a la
Pilatos, para apresentá-las diante das câmeras como troféu, e
assim dizer para a sociedade que a Justiça foi feita. São os
justiceiros em forma de salvadores da pátria.
A condenação dos mensaleiros (muitos deles ainda poderão
deixar a prisão logo, logo) mostra que a Justiça, quando quer,
parece perfeita. A prisão dos mensaleiros mostra que corrupção
deve ser punida. Mas e os tantos outros casos que caducam sob
pastas e pastas nos Tribunais?
Só para citar um exemplo local: o ex-prefeito Lira Maia,
segundo informações oficiais, é o parlamentar campeão em
processos, tem mais de 45 milhões de reais bloqueados por acusação
fraude e desvio de dinheiro público, quando foi prefeito. Até
agora não foi julgado. Qual a diferença entre Maia e os
mensaleiros? Nenhuma.
Maia é acusado de corrupção e, se realmente a Justiça
enxerga a todos sem distinção, deveria ser rápida na decisão dos
pecados de Maia. Ele que é parlamentar, deveria ter reputação
limpa, sem mancha. Maia, assim como outros parlamentares,
recentemente aprovou a ficha limpa para os futuros funcionários
públicos.
Maia, assim como tantos outros parlamentares, é
funcionários público, recebe dos cofres públicos, e, por isso,
deveria ter ficha limpa, deveria, assim como um funcionário que
frauda documento, ser afastado das suas funções e responder pelos
crimes que cometeu.
Mas até agora o que se percebe é uma lentidão da Justiça no
caso. Se a Justiça valerá para Maia só o tempo responderá.
A prisão dos mensaleiros referenda o papel da Justiça. O
papel de coibir maus feitos, o de impedir que vícios se tornem
banais, porém, como a lentidão dessa mesma Justiça é de tal modo
doentia, fica a sensação de que a injustiça é maior que a Justiça
em si. Talvez se tantos outros casos fossem punidos, muitos outros
seriam evitados: seriam evitados os roubos aos cofres públicos,
seria evitado o nepotismo no serviço público, seria evitada a
farra com os impostos que eu e outros quase 190 milhões de
brasileiros pagamos para vermos ruas esburacadas, casas sem água,
energia ineficiente, serviços públicos de péssima qualidade,
segurança inerte, ausente e deficiente e educação sem educação,
quase morta.
A prisão dos mensaleiros mostra que é possível fazer a
Justiça se tornar viva e eficaz. E que ela comece a ser a partir
de agora. Que não seja rápida apenas para a turma do PT, mas que
seja também para a turma do PSDB e de tantas outras siglas, atrás
das quais se escondem as falcatruas.
Que não se veja a prisão dos mensaleiros como feitos de
Joaquim Barbosa, de Rosa Weber, de Luiz Fux, de Ricardo
Lewandowisk, de Gilmar Mendes, de Dias Toffoli, de Roberto
Barroso, Cármen Lúcia, de Celso de Melo, de Marco Aurélio Melo e
de Teori Zavaski, mas que se veja a prisão como a prevalência da
Justiça, mas também da Lei, esta última que parece escondida atrás
de milhares de manuais do Direito que enfeitam bibliotecas, que
ignora a Carta Magna, a Constituição, e que se esquiva para punir
uns e sobressalta para punir outros.
A prisão dos mensaleiros abre uma pequena fresta de
esperança num País que aprendeu a conviver com a corrupção e
acolhe, silenciosamente, desvalidos no caráter e espertalhões que
zombam da Lei e dos brasileiros.
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* Professor na FIT (Faculdades Integradas do Tapajós), é
mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia.