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domingo 31 2010

Nos bastidores da campanha. Parece filme, mas é a realidade da política


Serra foi surpreendido por ofensiva do PT

Ao chegar ao segundo turno, tucano não esperava que Dilma explorasse denúncia contra Paulo Preto.

Julia Duailibi - O Estado de S.Paulo

Feriado de Sete de Setembro, o presidenciável do PSDB, José Serra, visita feira cristã em São Paulo. A menos de um mês da eleição, o tucano passava por um dos piores momentos da corrida presidencial, com as pesquisas de intenção de voto apontando para a vitória da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, no primeiro turno.

Candidato ao Palácio do Planalto pela segunda vez, Serra recebe ligação de um dos principais aliados, o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA), que naquele momento, no litoral da Bahia, dedicava-se à sua reeleição. O presidenciável desabafou: "Estão achando que estou morto. Mas vou para o segundo turno".

As quatro semanas que antecederam o segundo turno foram marcadas por uma euforia no QG tucano que foi se dissipando no decorrer dos dias. As pesquisas de intenção de voto, que mostravam ampliação da vantagem da adversária, e o silencioso embate interno entre os principais responsáveis pela campanha dificultavam uma reação política.

O clima tenso no comitê foi catalisado por problemas de captação de recursos, que alimentaram o fogo amigo. No final do primeiro turno, os principais fornecedores, como a equipe de marketing, não tinham nem os seus contratos de prestação de serviço assinados. A direção nacional do partido pressionava o presidente do comitê financeiro, José Gregori, para que ele não assinasse os contratos com cláusulas que pudessem deixar o PSDB, e não o candidato, como responsável por eventuais dívidas.

A campanha teve de lidar ainda com denúncia de desvio de recursos que envolvia ex-funcionário do governo do PSDB em São Paulo. Articulou-se, então, um armistício com o PT. Sem sucesso. Tucanos resolveram partir para o ataque e municiaram Serra com informações de irregularidades envolvendo PT e aliados. A guerra fora deflagrada.

Na semana seguinte à abertura das urnas, os principais nomes do PSDB e de partidos aliados reuniram-se em São Paulo para dar apoio a Serra, embalados pela perspectiva de poder e encorajados pela eleição já resolvida na maior parte dos Estados. O primeiro turno havia sido marcado pelo isolamento político do presidenciável tucano, com candidatos temendo fazer campanha para Serra e perder votos do eleitor lulista.

A casa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso serviu de cenário para a oposição traçar a estratégia do segundo turno, num jantar com líderes do PSDB e do DEM, três dias depois da eleição. Lá foi definido o roteiro da unidade em torno de Serra, que passava pela vitória em Minas. O senador recém-eleito Aécio Neves, presente ao encontro, comprometeu-se não só a fazer campanha, mas a ajudar com recursos em proporção até maior que a angariada pelos paulistas.

Os programas no horário eleitoral gratuito, até então o principal motivo de descontentamento da área política, perderam espaço na agenda de reclamações depois que FHC apareceu, ainda que de maneira tímida, ao lado de Serra.

Conceito de 2004. A campanha foi para a rua explorando o conceito do "bem contra o mal", usado na corrida municipal paulistana de 2004, quando Serra venceu o PT, de Marta Suplicy. O candidato colocou-se na eleição usando o jargão "de coração leve", criado pelo jornalista Woile Guimarães, sócio de Gonzalez, e ao som do jingle "Serra é do Bem", uma reprise da canção usada na disputa anterior.

Os presidentes do PSDB, Sérgio Guerra, do DEM, Rodrigo Maia, e do PPS, Roberto Freire, passaram a frequentar o edifício Joelma, sede da campanha no centro de São Paulo e conhecido por ter sido palco de um incêndio em 1974.

Às segundas ou sextas-feiras, o responsável pelas pesquisas tucanas, Antonio Prado Júnior, o Paeco, exibia o resultado dos trackings ao núcleo político. Na primeira semana, os números não poderiam ser melhores. Três dias depois do primeiro turno, os monitoramentos feitos por telefone, pelo Ibope, mostravam vantagem de 2 pontos porcentuais para Serra - diferença que chegou a 6 pontos em 15 de outubro. O desempenho favorável estava amparado na discussão sobre aborto e nas denúncias de corrupção da Casa Civil, que dominaram parte do segundo turno.

O tema aborto perdeu o combustível, após reação promovida pela campanha de Dilma. "Esse assunto não interessa mais a ninguém", afirmou Sérgio Guerra, ao final do primeiro debate do segundo turno, quando a petista citou declaração da mulher do candidato, Monica Serra, segundo quem Dilma era a favor de "matar criancinhas".

Saiu o aborto, entrou um novo personagem. Em debate da Band, Dilma menciona um desconhecido do público, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. Na fase de pré-campanha, quando foram levantadas as vulnerabilidades da candidatura, o nome do ex-diretor da Dersa, um dos principais responsáveis pela obra do Rodoanel, orçada em R$ 5 bilhões, havia aparecido. Em agosto, a revista IstoÉ o acusou de sumir com R$ 4 milhões da campanha. A notícia não tivera então repercussão eleitoral.

Os tucanos não esperavam que Dilma mencionasse o assunto. Em 2009, à época das investigações da Castelo de Areia (operação da Polícia Federal que apontava pagamento de propina de empreiteiras a políticos de vários partidos), caciques do PT e do PSDB se encontraram para discutir o tema. Era conveniente que nenhum lado usasse a história. As investigações respingavam em todos.

Ligação no bastidor. A exploração do caso por Dilma deixava claro que o PT, surpreendido pelo segundo turno, decidira atacar. Era hora de uma operação no bastidor. Os ex-ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça), que se encontrou com Serra mais de uma vez na corrida eleitoral, entraram em campo. Um coordenador da campanha de Dilma ligou para um líder tucano e disse ter sido um "erro" o PT citar o caso.

No comitê tucano, o sinal de guerra havia sido claro. O presidenciável recebeu munição: uma lista com nomes de petistas e aliados, supostamente envolvidos na Castelo de Areia. Na relação, o candidato à vice-presidente na chapa de Dilma, Michel Temer (PMDB), com a observação de que ele fora citado "23 vezes" em relatório da PF. O candidato levou a munição nos outros debates. Mas não a usou.

À medida que o embate se acirrava, as pesquisas mostravam ampliação da vantagem de Dilma. Resultado: maior dificuldade de captar recursos. Em meados de setembro, o coordenador das despesas José Henrique Reis Lobo mandou suspender a produção de material em todo País. Também foi vetada a emissão de 800 mil cartas para empresários, conclamando-os a doar, e a criação de um call-center. Outros integrantes da campanha mandaram e-mails com reclamações a Serra, que foi falar com o coordenador. A saúde financeira da campanha não era boa. O primeiro turno fechara com arrecadação de R$ 62 milhões. Havia R$ 22 milhões de gastos descobertos. O responsável pela arrecadação, Sérgio Freitas, alegava que doadores estavam tímidos por causa das pesquisas.

No segundo turno, Márcio Fortes, que havia sido candidato a vice-governador do Rio, chegou para fazer a ponte entre a arrecadação e a despesa. Mas, mesmo com mais empresas doando - a segunda etapa da eleição teve 70 doadores a mais que o primeiro turno -, o desempenho financeiro foi frustrante. O caixa da campanha deverá fechar um pouco acima dos R$ 100 milhões, montante bem menor que os R$ 180 milhões orçados inicialmente.

Apesar de na última semana da campanha trackings internos já mostrarem Dilma na frente, começaram ataques às pesquisas, com o argumento de que haviam errado no primeiro turno. "Erraram feio em 2010, como em 2006. Entre outras coisas, pela abstenção desigual. A pessoa é parada na rua ou recebe o entrevistador em casa e é instada a responder uma pesquisa. Mas não diz que não pretende votar", avaliou ao final do segundo turno um coordenador.

Na reta final da campanha, o comitê tucano debruçou-se sobre as estatísticas eleitorais. Falava-se, pela primeira vez, num "eleitor mutante", 25% do eleitorado que declarou seu voto, mas mudou de candidato em cima da hora. A dois dias da eleição, os marqueteiros falavam que a eleição estava empatada, no intervalo entre 52% e 48% para qualquer um dos lados. O diagnóstico era contrário às principais pesquisas.

A vitória depende do Sudeste. Em São Paulo, tem de vir por mais de 3,5 milhões de votos de diferença. A despeito dos esforços de Geraldo Alckmin, a desmobilização era clara. Aliados do governador eleito se preocupavam mais com a transição no Palácio dos Bandeirantes do que com a eleição presidencial. Havia insatisfação com o empenho do senador eleito Aloysio Nunes Ferreira, que submergiu após o nome de Paulo Souza, de quem era amigo, aparecer.

Aécio questionado. Se segurar o eleitor paulista em seu reduto eleitoral, Serra pode vencer a eleição com um empate em Minas, repetem os tucanos. A bola ficou com Aécio Neves. No comitê serrista, questionava-se a real intenção do senador eleito por Minas que, em vez de se dedicar à eleição de Serra em seu Estado, viajou pelo País.

Antes de receber o resultado do primeiro turno, Serra, nervoso, tentou se refugiar. O candidato que pleiteava o cargo de maior visibilidade da República buscou o isolamento. Primeiro, na casa da filha, Verônica. Descoberto pelos jornalistas, saiu pela porta dos fundos rumo à casa do amigo Andrea Matarazzo, onde acabou descoberto mais uma vez.

Escapou das lentes dos fotógrafos e se escondeu na casa de um outro amigo. Levou alguns filmes, com os quais pretendia se distrair. Não assistiu. Lá recebeu a notícia de que a campanha não havia acabado. Conseguiu dormir, então, por duas horas.

Hoje, o roteiro deve ser parecido. Mas o desfecho pode ser diferente.

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