AJD critica manifestações de cúpulas dos tribunais 'que objetivam garantir seus poderes arbitrários'
Fausto Macedo / SÃO PAULO - O Estado de S.Paulo
“Na cultura política brasileira há longa e nefasta tradição de impunidade dos agentes políticos do Estado, dentre os quais estão metidos a rol os membros do Poder Judiciário, notadamente os desembargadores dos tribunais estaduais e federais, e ministros dos superiores”, declarou ontem a Associação Juízes para a Democracia (AJD), em comunicado público de defesa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Subscrita pelo juiz José Henrique Rodrigues Torres, presidente do Conselho Executivo da AJD, a carta é um manifesto de apoio à cruzada da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, que sofre ataques de magistrados desde que apontou para “bandidos da toga” e denunciou resistências ao CNJ.
“Reações corporativas, animadas por interesses particulares, e manifestações das cúpulas dos tribunais, que a pretexto da preservação de suas atribuições, objetivam garantir seus poderes arbitrários, não podem prevalecer sobre o relevante papel desempenhado pelo CNJ na apuração de desvios de conduta funcional e responsabilização dos magistrados faltosos com seus deveres de probidade”, assevera Torres.
A AJD, “entidade não governamental e sem fins corporativos”, assinala que a competência disciplinar do CNJ está prevista na Constituição, artigo 103, e “constitui uma salutar conquista da sociedade civil para efetivar o princípio republicano”. “Os mecanismos de controle da moralidade administrativa e da exação funcional dos magistrados em geral garantem legitimidade social ao Poder Judiciário e a independência judicial”, observa Torres.
A entidade diz esperar que o STF “pondere sobre os interesses em questão e coloque-se à altura dos desafios que a realidade lhe impõe e das expectativas sociais em torno de tão relevante tema, valendo-se da oportunidade para romper com posições conservadoras e anacrônicas em relação à estrutura e funcionamento do Poder Judiciário, que tanto tem concorrido para o mau funcionamento e descrédito do serviço público judicial”.
E ressalta: “O CNJ atende a interesses democráticos, republicanos, em garantia da própria independência da classe. Os juízes não existem para a magistratura, mas como garantidores dos direitos das pessoas. Essa é a função que lhes cabe.”
Verdades ofendem
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, acabou dando uma boa contribuição ao debate sobre a correção geral de condutas, ao reagir com rudeza, corporativismo e autoritarismo à constatação da corregedora-geral da Justiça, Eliana Calmon, sobre a existência de "bandidos de toga" no Judiciário.
A declaração da juíza nem teria alcançado tanta repercussão não fosse o desejo do ministro de humilhá-la com a admoestação grosseira e a exigência de uma retratação, de resto não atendida numa demonstração de que Eliana Calmon na condição de corregedora é a pessoa certa no lugar certo.
Resultado: a contrarreação de solidariedade à ela e à preservação dos poderes do Conselho Nacional de Justiça impediu que o Supremo votasse na quarta-feira ação da Associação Brasileira de Magistrados (AMB) que, se aprovada como previsto, poria fim à razão do CNJ.
Em resumo, a AMB pede que o conselho perca a atribuição de investigar e punir magistrados antes que sejam julgados pelas corregedorias dos respectivos tribunais onde estejam lotados.
Por analogia, tanto essa ação quanto a atitude de Peluso e mesmo o aval da maioria do CNJ à nota de repúdio do presidente do STF à declaração da juíza, remetem ao posicionamento majoritário do Legislativo contrário a punições a desvio de condutas de seus integrantes.
Poder-se-ia comparar também ao pensamento predominante no Executivo, segundo o qual uma limpeza em regra nos critérios para preenchimento de cargos na administração pública faria mal à saúde do governo de coalizão.
Ou seja, a norma não escrita que as excelências de todos os Poderes parecem dispostas a adotar é a da impunidade como pressuposto para que reine a paz na República.
As verdades ofendem, assim como a realidade enunciada pela corregedora ofendeu os brios do presidente do Supremo e as punições aplicadas nos últimos anos pelo CNJ calaram fundo no espírito do corpo da Associação dos Magistrados.