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terça-feira 26 2013

A obediência cega

A dor do outro e a nossa obediência 
   
Há 50 anos, o psicólogo social Stanley Milgram mostrava o quanto estamos dispostos a cometer ações atrozes sob o mando de uma autoridade 
   
Alessandro Greco - colunista do iG 
   
    
Imagem mostra como foi conduzido o experimento Milgram: autoridade é mais forte que convicções morais 
    
Há 50 anos, o psicólogo social americano Stanley Milgram publicou um artigo que chocou o mundo. Intitulado “ Behavioral Study of Obedience ”, o texto descrevia como 40 homens haviam participado de uma pesquisa e aplicado choques quase mortais em completos desconhecidos apenas porque um “cientista” – que eles também não conheciam – dava ordens para que fossem sempre em frente. 
    
O que aparentava ser uma sessão de tortura era, em verdade, um experimento científico com o objetivo de entender até que ponto uma pessoa comum, sem traços violentos, seria capaz de cometer atrocidades sob mando de uma autoridade (o “cientista”). 
   
Os choques eram de mentira e os que recebiam o choque estavam, juntamente com os “cientistas”, a serviço do experimento. Apenas os que aplicavam os choques não sabiam o que se passava. Os resultados foram absolutamente surpreendentes. Dos 40 participantes, 26 (65%) aplicaram a carga máxima em seus choques (450 volts), apesar de suas "vítimas" terem implorado para que parassem. O experimento foi replicado diversas vezes e o número se manteve por volta de 65%, inclusive em testes em outros países 
   
Antes de fazer o experimento Milgram fez uma pesquisa com alunos de Psicologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, onde era professor assistente. Nela, perguntou a 14 deles qual o choque máximo que seria dado em um experimento com 100 pessoas. A média das respostas foi que apenas 1,2% chegariam a 450 volts – ou seja, 1 em cada 100. Milgram fez ainda o mesmo com psiquiatras de uma escola de medicina. O resultado: apenas 3,73% daria um choque acima de 300 volts e um número ínfimo, cerca de 0,1%, chegaria ao valor máximo de 450 volts. 
   
A hipótese de Milgram era de que uma pessoa submetida à pressão da autoridade tem a tendência de simplesmente obedecer. “As pessoas aprendem desde crianças que é uma falha moral grave machucar alguém contra a vontade. Mesmo assim, 26 delas abandonaram este princípio ao seguir as instruções de uma autoridade que não tinha nenhum poder especial para fazer com que suas ordens fossem seguidas. 
    
Desobedecê-la não traria nenhum dano material para estas pessoas, não haveria nenhuma punição. Ficou claro pelos comentários e comportamento de muitas dessas pessoas [que deram os choques] que ao punir as vítimas elas estavam agindo contra seus valores. Elas expressaram frequentemente uma desaprovação profunda em dar choques em um homem apesar das suas reclamações e outras delataram a estupidez e a falta de sentido neste ato. Mesmo assim a maioria seguiu as ordens”, afirmou Milgram no artigo. 
   
A complexidade dos resultados obtidos por Milgram pode ser vista muito na vida diária e, em especial, em situações limite como a que viveu o mundo durante a Segunda Guerra Mundial. Nela, as atrocidades cometidas em nome da obediência a um líder durante o período nazista resultaram em alguns dos maiores crimes contra a humanidade. 
   
Mas a questão não é a obediência em si, mas o que se faz com ela (ou em nome de que ela é utilizada). “...não se deve pensar que todos os atos de obediência contenha atos de agressividade contra outros. A obediência serve a inúmeras funções produtivas. Na verdade, a vida em sociedade é baseada en sua existência. A obediência pode enobrecer e ser educativa e estar ligada a atos de caridade e bondade assim como de destruição”, afirma Milgram no artigo. 
   
Talvez o maior valor do experimento de Milgram esteja no fato de ele ter feito emergir um debate fundamental sobre a condição humana: o quanto nossos valores pessoais realmente guiam nossas atitudes no mundo real quando estamos sob o mando de uma “autoridade”. Afinal, na vida, na maior parte do tempo há uma “autoridade” acima de nós – seja no campo pessoal, profissional ou espiritual. Cabe a cada um de nós perguntar: o que eu faço com isso? 
   
*Alessandro Barros Greco é jornalista e engenheiro mecânico pela POLI-USP. Escreve sobre ciência desde 1998. Acredita que falar sobre ela ajuda as pessoas a viver melhor. Foi o terceiro brasileiro a receber a bolsa Knight Science Journalism Fellowship do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
    

segunda-feira 25 2013

Querem transformar o Brasil em uma teocracia

Um exemplo das consequências da intolerância religiosa e da religião na política.
   

Em primeiro lugar vamos comentar o que é um país laico, o Brasil é (e espero que continue a ser) um país laico, em que todos possam ser livres para escolher a sua religião.
   
ESTADO LAICO
   
Um Estado secular ou estado laico é um conceito do secularismo onde o Estado é oficialmente neutro em relação às questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião. Um estado secular trata todos seus cidadãos igualmente, independente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião. Estado teocrático ou teocracia é o contrário de um estado secular, ou seja, é um estado onde há uma única religião oficial (como é o caso do Vaticano e do Irã).
    
O Estado secular deve garantir e proteger a liberdade religiosa e filosófica de cada cidadão, evitando que alguma religião exerça controle ou interfira em questões políticas. Difere-se do estado ateu - como era a extinta URSS - porque no último o estado se opõe a qualquer prática de natureza religiosa. Entretanto, apesar de não ser um Estado ateu, o Estado Laico deve respeitar também o direito à descrença.
   
TEOCRACIA
   
Já no estado teocrático uma religião Teocracia (do grego Teo: Deus + kratos: governo) é o sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de alguma religião. O poder teocrático pode ser exercido direta ou indiretamente pelos clérigos de uma religião: os governantes, juízes e demais autoridades podem ser os próprios líderes religiosos (tal como foi Justiniano I) ou podem ser cidadãos leigos submetidos ao controle dos clérigos (como ocorre atualmente no Irã, onde os chefes de governo, estado e poder judiciário estão submetidos ao aiatolá e ao conselho dos clérigos). Sua forma corrupta é também denominada clerocracia.
    
Exemplos atuais de regimes desse tipo são o Vaticano, regido pela Igreja Católica e tendo como chefe de Estado um sacerdote (o Papa), e o Irã, que é controlado pelos aiatolás, líderes religiosos islâmicos, desde a Revolução Islâmica, em 1979 e Israel que é oficialmente um Estado judeu.
    
Ora, qualquer um que professe uma religião tem o direito de agir de acordo com as suas crenças, e os líderes religiosos tem o direito, e diríamos até mesmo o dever de orientar e estabelecer normas de conduta para os praticantes da sua fé. Desde que os membros da igreja professem a sua fé de livre e espontânea vontade. 
   
O que é inaceitável e inadmissível é que uma determinada religião queira impor a ferro e a fogo as suas crenças, os seus costumes e a sua forma de agir aos praticantes de outras religiões e até mesmo aos que não professam religião alguma. O Brasil é um país em que a liberdade religiosa tem sido respeitada há séculos, não podemos aceitar imposição religiosa de quem quer que seja. 
    
Existem algumas correntes evangélicas no Congresso Nacional e fora dele que estão tentando controlar a imprensa, a política e até mesmo o judiciário com o objetivo de impor a sua religião e as suas crenças a todos os brasileiros, estão tentando até mesmo controlar e modificar decisões do Supremo Tribunal Federal com as quais não concordam, Clique aqui e veja a notícia. Não podemos entregar o Brasil nas mãos de fanáticos religiosos, cegos pela ambição e sedentos de poder.
   
Se permitirmos, no futuro podemos perder o direito de escolhermos livremente a nossa religião, e não é só isso, podemos perder o direito à liberdade de escolhermos como viver a nossa própria vida, de como nos comportar e nos vestir, do que beber e comer, e até mesmo o direito de formar a nossa família e educar os nossos filhos de acordo com a nossa fé e os nossos costumes. 
    
A história da humanidade prova que todas as vezes que a religião controlou o Estado e a política o resultado nunca foi bom, os religiosos geralmente se consideram os donos da razão e da verdade, e isso na concepção deles, lhes dá o direito de mandar na vida alheia e de impor as suas crenças aos outros por bem ou "na marra". A História e os fatos nos mostram isso através de "exemplos" como a inquisição da Igreja Católica, os tribunais Islâmicos e a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) travada entre Católicos e Protestantes. 
   
Não sei quanto ao resto da população brasileira, mas eu quero continuar a ter a liberdade de escolher a minha própria religião, de escolher o meu modo de vida, a liberdade de poder educar os meus filhos de acordo com as minhas crenças e o meu modo de ser, e a liberdade de pensar e de me expressar sem me preocupar com o que algum fanático religioso possa pensar e como vai agir contra mim a minha família só porque não pensamos igual a ele. 
   
O povo brasileiro é um povo trabalhador e ordeiro, por isso pacífico. No entanto com certeza absoluta a maioria do nosso povo não aceitará ser escravizado e sujeito a nenhuma religião ou seita. No decorrer da história a grande maioria das guerras no mundo teve como causa a intolerância e as diferenças religiosas, são inúmeros no mundo os países divididos pela religião, em que irmão mata irmão em nome de Deus. 
   
Que Deus nos proteja e defenda o nosso país da intolerância, da ditadura e da guerra religiosa. 
   
Lembrem brasileiros: O preço da liberdade é a eterna vigilância.
   

Dançarina impressiona ao fazer pole dance em programa de talentos na Ucrânia


   
Um dançarina muito desinibida decidiu realizar uma performance de pole dance durante a versão ucraniana do programa "America's Got Talent". 
   
Nas imagens, a loira mostrou habilidade com a técnica provocante e agradou os jurados da atração. 
  
As imagens se tornaram sensação na web e já tiveram milhares de acessos. Assista!
    

sábado 23 2013

TUCURUÍ: MP pede e justiça determina suspensão de mandato de conselheiro tutelar por estupro


Tucuruí - Praça do Rotary.

A juíza de direito titular da 1ª vara da comarca de Tucuruí, Rosa Maria Moreira da Fonseca deferiu ontem, dia 21, o pedido do Ministério Público do Pará de suspensão do mandato do conselheiro tutelar, Wanderley Lopes Dourado. 
    
A ação civil pública assinada pela promotora de justiça, Francisca Suênia Fernandes de Sá resultou de um procedimento de investigação preliminar que teve como objetivo apurar as informações prestadas por funcionárias do Conselho Tutelar de Tucuruí sobre o abuso sexual praticado pelo conselheiro tutelar, Wanderley Dourado contra uma adolescente em seu gabinete. Segundo investigações a adolescente que tinha fugido de casa com o namorado, foi ao conselheiro tutelar, acompanhada de sua mãe para informar que retornaria ao convívio familiar, ocasião que em Wanderley Dourado pediu para ficar sozinho com a adolescente e abusou sexualmente da adolescente, alegando que estaria fazendo um exame ginecológico. 
   
A adolescente saiu do gabinete chorando e perguntou “se era certo um conselheiro fazer exame dentro da sala dele”, em audiência na promotoria do município a adolescente e vítima de estupro confirmou as informações prestadas pelas funcionárias do Conselho Tutelar e relatando o ato com detalhes. 
     
O Ministério Público pediu e a justiça determinou ontem o afastamento do cargo de conselheiro tutelar de Wanderley Dourado, suspensão de remuneração e nomeação de outra pessoa para o cargo, comunicando à Secretaria de Política e Assistência Social e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 
    
O MP também solicitou que a polícia seja oficiada para investigar o caso com informações já obtidas e repasse as informações que porventura sejam colhidas pela polícia. 
     
Texto: Jessica Barra (Graduanda em jornalismo) 
Revisão: Edyr Falcão 
       
Fonte: Site do Ministério Público Estadual.
   

sexta-feira 22 2013

Por uma democracia menos cacique

Por Inês Castilho 
   
Washington Luíz Rodrigues Novaes é um jornalista que trata com destaque os temas de meio ambiente e povos indígenas. 
    
A seguir, a entrevista. 
     
Qual é a sua percepção sobre a participação política do brasileiro? 
     
Penso que a sociedade brasileira está em um momento crítico, porque vive indignada com a incompetência administrativa, o descaso, a corrupção, mas em geral se limita ao que eu chamo de retórica da indignação. Fica indignada, mas incapaz de movimentos que possam mudar o quadro. 
     
Parte da sociedade vive nessa inação porque são muitos os cidadãos que sonegam impostos, subornam guarda, furam fila, não respeitam a lei. É preciso mudar isso. E também aprender a organizar-se em grupos para discutir os assuntos que incomodam, e chamar para ajudar na discussão o ministério público, a universidade etc. Para a partir daí criar objetivos concretos e levar ao campo da política – ou tudo vai continuar como hoje. Seria muito importante também para a universidade, que foi muito perseguida durante a ditadura militar e se fechou para os problemas da sociedade. 
   
O problema é complexo e grave. Estava relendo os relatórios do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) do começo da década de 1990, e eles dizem uma coisa em que é preciso pensar: no mundo moderno, o Estado se tornou pequeno demais para enfrentar os grandes problemas do mundo, e ao mesmo tempo grande demais, incapaz de se aproximar dos problemas do cidadão comum. O Estado ficou imobilizado pelos dois lados, e a sociedade precisa aprender a romper com isso. É preciso ter macropolíticas capazes de responder aos grandes problemas da sociedade, mas também uma descentralização que leve o poder a se aproximar do cotidiano do cidadão. 
   
Principalmente nesse mundo de hoje, em que a metrópole está se tornando um padrão. São Paulo, por exemplo, é um padrão de metrópole que foi se estendendo pelo interior, ao longo do eixo que passa por Jundiaí, Campinas, Ribeirão Preto, Uberaba, Uberlândia, até o Centro-Oeste, em Goiânia. E mesmo em lugares mais distantes, como Manaus, Belém e Boa Vista, vai-se encontrar essa mesma coisa. Em uma daquelas grandes avenidas de Manaus não vai se ver floresta, característica da Amazônia – só se veem prédios, só torres. Em Belém, a mesma coisa. Em Porto Velho o trânsito é um inferno. É preciso repensar isso, não manter esse modelo de transportes. Ou vamos continuar despejando centenas de milhares de carros por mês em lugares onde já não há mais como se mover? Centenas de milhares de motocicletas? 
   
Quais os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira hoje, a seu ver? 
   
A questão do transporte, certamente, é um deles. A segurança pública é outro tema. Penso também que o financiamento de campanhas, se houver uma discussão bem conduzida, pode ser muito eficaz. Porque hoje a influência de quem financia as campanhas se tornou muito grande. Os financiamentos vêm principalmente das grandes construtoras, das grandes empresas de coleta de lixo. E isso acaba determinando rumos para a política. É preciso que se discuta: não seria o caso de caminharmos para o financiamento público das campanhas? Os críticos desse modelo dizem que o financiamento pode ser público e, por trás do pano, continuar tendo financiamento privado. Não sei, é preciso discutir isso. Será que o caminho é o modelo do representante distrital, para aproximar a discussão das comunidades? O financiamento das campanhas precisa ser discutido porque, do jeito que está, eu às vezes penso, ironicamente, que talvez o modelo mais democrático tenha sido o da ditadura militar, em que só se podia botar na televisão o retrato 3×4 e três linhas de biografia. Aí se igualavam as possibilidades. 
   
Acho também que, nessa questão das macropolíticas, é preciso discutir como é que se vai fazer, porque tudo o que o ser humano faz tem um impacto sobre o meio físico. No grande meio urbano esses impactos são grandes, e não são compensados por quem os provoca. Por exemplo, o sujeito faz cinco torres de 40 pavimentos, e isso vai provocar um impacto enorme no trânsito, nas necessidades de água e esgoto, no lixo e na energia. E quem é que paga por isso? Vivem abrindo exceções para deixar construir além do gabarito, de modo a não cobrar os impactos. Isso precisa mudar, a sociedade precisa discutir isso. 
   
Trata-se de repensar nosso modo de vida em vários aspectos, não é? 
   
Cada cidadão precisa pensar nos impactos que produz e em como reduzi-los. Isso vai implicar mudanças nos modelos de construção, nos modelos de energia. Porque, da forma que está, estamos caminhando para impasses gigantescos. Esses dias saiu uma notícia assim: em 97, quando foi aprovado o protocolo de Kyoto, se estabeleceu que os países industrializados reduziriam as suas emissões de gases poluentes em 5,10% até 2012. O balanço diz que essas emissões aumentaram 45%, e não diminuíram 5,2%. Os relatórios do programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostram que estamos consumindo recursos mais de 30% além da capacidade de reposição do planeta. Isso é insustentável. 
   
Tudo continua sendo regido pelas lógicas financeiras – sejam os países, sejam as empresas, até as próprias pessoas. Mas estamos caminhando para problemas graves. Primeiro, porque a situação do mundo está muito difícil. Já temos um bilhão de pessoas passando fome, e a chamada crise da água ameaça dois terços da humanidade. O Kofi Annan, que foi secretário-geral da ONU durante uma década – um homem experiente, informado – tem repetido e repetido o seguinte: hoje, os problemas centrais do nosso tempo não estão no terrorismo, mas nas mudanças climáticas e no consumo de recursos além da capacidade de reposição do planeta – Eles são uma ameaça à sobrevivência da espécie humana. Ainda mais lembrando que tudo isso vai ser agravado, porque a previsão dos demógrafos da ONU é de mais três bilhões de pessoas no mundo. Agora em novembro [de 2011] chegamos a sete, não é? 
  
E há um ângulo que praticamente não se discute, que é o direito da sociedade à informação. Não estou falando em censura, ausência de liberdade de pensamento – não é isso. Estou falando o seguinte: hoje se sabe que quem tem mais informação tem mais poder. Mas não há nenhuma legislação que diga a quem pertence essa informação – porque, para ser democrática, ela tem que pertencer à sociedade. Se quem tem mais informação tem mais poder, a informação tem que ser democrática para que o mundo seja democrático, não é? Mas não há legislação que proteja isso. 
   
Uma forma de regulação da mídia? 
   
A meu ver, seria preciso escrever na Constituição que a informação é um direito, um bem da sociedade. É preciso legislar para regulamentar e proteger este direito. Não há nada, hoje, que diga aos meios de comunicação como devem proceder. Quer dizer, o meio de comunicação publica ou bota no ar o que ele quer. O critério é dele. Nisso aí está implícito o direito de omitir informação. É preciso reconhecer que há um direito da sociedade à informação, definir como isso vai ser colocado na Constituição e qual é a legislação que vai proteger esse direito. 
   
Isso me faz lembrar as sociedades indígenas, nas quais a informação circula livremente. Haverá outras lições para nós, nessas sociedades? 
   
A nossa visão de brancos, vamos chamar assim, sobre as sociedades indígenas, é muito peculiar, porque olha o índio não pelo que ele tem, mas pelo que ele não tem. Vê que o índio anda nu, que não tem isso, não tem aquilo. E não enxerga que as sociedades indígenas talvez estejam apontando em direção à utopia humana. 
   
Uma delas é que, no seu formato tradicional, não há nas sociedades indígenas delegação de poder. O chefe não tem poder para dar ordem. Numa sociedade que se mantém viva, se um índio der ordem para outro, o outro vai achar aquilo engraçado, alguém dar ordem para ele. O chefe é o que mais sabe da cultura, o que mais sabe da divisão do trabalho, é o grande mediador de conflitos, tem de falar melhor. É o que mais sofre, também. Mas não dá ordem a ninguém. Nós, brancos, não enxergamos que luxo é viver, nascer e morrer numa sociedade sem nunca receber ordem de ninguém. 
   
Da mesma forma, também nos esquecemos de que, quando uma sociedade indígena está na força da sua cultura, um índio é autossuficiente, não depende de ninguém para nada. Ele sabe fazer sua casa, sabe fazer sua lavoura, sabe fazer sua canoa, sabe fazer seus instrumentos de trabalho, a sua rede, os seus objetos de adorno, sabe identificar na natureza espécies que sejam úteis. Quer dizer, ele não recebe ordem de ninguém e não depende de ninguém para nada, a vida inteira. 
   
E a informação é aberta – o que um sabe, todos podem saber. Ninguém se apropria da informação para transformá-la em poder político ou econômico. Além de aquelas sociedades darem muita atenção ao seu entorno: nos lugares que conheço, quando uma aldeia chega a 300, 400 pessoas, ela costuma se dividir, exatamente para que não haja uma sobrecarga dos recursos ambientais dos quais a aldeia depende. Isso também é de uma enorme sabedoria, não construir megaconcentrações humanas. 
   
E quanto ao relacionamento entre os gêneros? 
   
Sobre a relação entre homem e mulher, eu sempre cito um aspecto para o qual o Orlando Villas Boas me chamou a atenção: em geral são sociedades em que a união entre homem e mulher é absolutamente livre. Casa e descasa quando quer, ninguém tem nada a dizer, não há nenhuma sanção social. Digamos que o homem não esteja satisfeito com a mulher, porque ela não está trazendo água limpa para casa, e isso é uma tarefa da mulher. Se ele quiser, pode simplesmente dizer “não tenho água, vou-me embora” – e ir embora. Mas, se ele quiser continuar com a mulher, não vai sequer dizer a ela que não está satisfeito, porque isso pressupõe que ele tem direito a que ela traga água para casa e pode reclamar se ela não trouxer – e ele não tem esse direito, ela traz se quiser. Está nas divisões de trabalho: é uma tarefa da mulher trazer água limpa para casa. Mas, se ela não quiser, não traz – e o homem não pode se queixar. 
   
O que ele pode fazer é procurar o chefe, os mais velhos, e dizer: “olha, minha mulher não está trazendo água limpa para casa”, e eles provavelmente vão reunir os homens e as mulheres e explicar como é a divisão de trabalho na etnia deles, porque tais tarefas cabem aos homens e tais tarefas cabem às mulheres, e entre essas tarefas está trazer a água limpa para casa. Se a mulher quiser botar a carapuça, ela bota; se não quiser, também não bota. Mas não há sequer o direito de queixa. 
    
É muito sofisticado, isso. São utopias em direção às quais a nossa sociedade precisa olhar, principalmente na crise em que estamos mergulhados. Temos que mudar os nossos modos de viver, eles são insustentáveis, incompatíveis com as possibilidades do planeta. Temos que encontrar outros caminhos. 
   
A liberdade sempre foi uma bandeira de luta. Ainda é, hoje? 
   
A gente falou das sociedades indígenas onde isso, digamos assim, chega ao extremo possível. No extremo possível da liberdade. Já os nossos modos de viver restringem cada vez mais a nossa liberdade. Estamos dependentes de uma porção de coisas fora de nós. Precisamos repensar nossos modos de viver para ter vidas mais autônomas, mais livres, mais seguras. 
  
Sou de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Vargem Grande do Sul. Com cinco ou seis anos de idade, eu andava sozinho pela cidade inteira e isso não implicava nenhum risco. Era uma cidade pequena, não tinha trânsito, todas as pessoas me conheciam. Meu pai era professor primário e minha mãe, costureira. E no entanto tínhamos um nível de vida que, para que eu pudesse proporcionar isso hoje, para meus filhos e netos, precisaria ser muito rico. Por exemplo, alimentação: um verdureiro trazia verduras na porta de casa, orgânicas, da mais alta qualidade; um leiteiro trazia o leite; e o pão era comprado ali na esquina. Ninguém tinha geladeira, então se comprava de manhã a carne abatida na madrugada e depois outra, abatida na parte da tarde, para ter sempre carne fresca. Era um alto nível de sofisticação alimentar. Nossa vida foi ficando cada vez mais complexa e difícil. 
    
Considerando que não é possível voltar ao passado, como você enxerga as novas gerações vivendo nesse planeta? 
   
Penso que as novas gerações estão muito envolvidas nesta sociedade complexa e tecnológica porque nunca conheceram outras possibilidades. O jovem hoje passa metade do dia na frente de uma tela de computador, até porque não tem outra possibilidade. Outra possibilidade implicaria o quê? Insegurança, sair de casa, riscos com o trânsito, com assaltos, perder tempo no transporte. Então, ele fica preso nisso. 
   
Você pensa que a tecnologia, as redes sociais têm um papel nos processos de mobilização política? 
   
A tecnologia tem muitos papeis e muitos caminhos, bons e ruins. A tecnologia implica um consumo de recursos naturais e de energia elétrica muito grande, implica caminhos que também precisam ser revistos. Exige um uso de minérios que está em crise, inclusive o de minérios mais raros, que têm grande aplicação na área tecnológica, computadores, celulares – há um impacto sobre isso, também. 
   
Pensando no que falou até aqui, você imagina novas formas de fazer política? 
   
A mesma coisa que a sociedade precisa fazer, tem que fazer também quem quer fazer política: chamar a sociedade para discutir. Ouvir a sociedade, ouvir as pessoas, ouvir o conhecimento, ser capaz de formular projetos e, depois, batalhar por eles. Não pode, repito, continuar nesta mera retórica da indignação. 
   
Você imagina uma governança global no futuro? 
   
Não sei se haverá uma governança global. Penso que, se a humanidade conseguir encontrar um rumo para sair deste imenso atoleiro no qual está mergulhada, vai ter que definir regras para todos os países. Porque veja, por exemplo, o impasse em que está a Convenção do Clima: os países emergentes e os países pobres dizem: quem tem de reduzir as emissões são os países industrializados, que emitem há muito mais tempo e em maior quantidade. Aí os países industrializados dizem: mas se os emergentes e os outros não aderirem não vai adiantar, porque hoje os emergentes e os pobres juntos já emitem mais do que os industrializados. 
   
Como é que vamos continuar dessa forma, em que os países industrializados, com menos de 20% da população, consomem 80% dos recursos e têm quase 80% da renda do mundo? Como vamos fazer com isso aí? Vai continuar? Um habitante de um país industrializado consome 15 vezes mais energia que um habitante de um país pobre. Então, sobre regras de governança: não se trata de ter um governo mundial, mas de ter princípios universais. 
   
Fonte: Inês Castilho, editora da série Outra Política.