O governo Simão Jatene chega ao final de seu terceiro ano de gestão com uma marca indelével: o sucateamento da saúde pública em benefício das organizações sociais de fora do Estado que privatizaram a saúde no Pará e que, desde 2011, vêm sugando milhões dos cofres públicos sem sequer cumprirem metas. A fórmula é simples e se mostra eficaz: a gestão tucana deteriora os hospitais ainda sob a administração pública para fortalecer a falsa ideia de que a privatização do serviço em saúde é a salvação da lavoura, entregando em seguida as unidades à gestão privada. Nos últimos meses o DIÁRIO vem mostrando que a realidade é bem diferente, caindo por terra a falácia de que hospitais administrados por Organizações Sociais são exemplos de economia e eficiência.
Com o objetivo de demonstrar que esse modelo de privatização camuflada, de um setor socialmente sensível como o da saúde pública, é mais eficiente que a gestão própria do Estado, o governo de Simão Jatene tem promovido um verdadeiro desmonte dos hospitais sob a gestão da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), além de aviltar a remuneração de profissionais desse setor, na contramão das condições dispensadas aos hospitais terceirizados às Organizações Sociais.
O Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem) e o Diário Oficial do Estado (DOE) mostram que com praticamente o mesmo número de leitos, os hospitais regionais administrados diretamente pela Sespa receberam no período de 2010 a 2012, pouco mais de 15% dos recursos destinados aos hospitais administrados pela Pró-Saúde no interior do Pará. No período, os hospitais de Santarém, Altamira, e Marabá (340 leitos) sob a responsabilidade da OS receberam exatos R$ 409.000.000,00, contra apenas R$ 65.000.000,00 repassados aos hospitais de Tucuruí, Cametá e Conceição do Araguaia (301 leitos), administrados pela Sespa.
Se analisarmos os recursos destinados pelo Estado, por leito hospitalar no período em avaliação, chegaremos à estarrecedora conclusão, de que, enquanto aos hospitais sob a gestão da Pró-Saúde foram repassados, em média, a diária de R$ 1.098,58, aos hospitais geridos pela Sespa coube à alocação de recursos diários de irrisórios R$ 197,21, ou cerca de seis vezes menos. No mínimo uma discriminação e total falta de sensibilidade para com a população assistida pelos hospitais de Tucuruí, Conceição do Araguaia e Cametá.
Os números deixam claro que o governo de Simão Jatene impõe uma política de sucateamento dos hospitais públicos: primeiro estabelece uma situação de caos para posteriormente justificar a privatização da saúde pública através dessas organizações, presenteando preferencialmente a Pró-Saúde e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH). Para conseguir esse objetivo a Sespa não demonstra qualquer sensibilidade ante o sofrimento dos pacientes dos hospitais que não estão nas mãos das OS’s, pois não destina recursos suficientes aos mesmos.
Provavelmente, o governador deva ter uma prolixa explicação para sua política de gestão da saúde pública no Pará. Entretanto é quase certo que não conseguirá convencer os milhares de cidadãos que moram nessas regiões desassistidas pela Sespa e que penam para conseguir atendimento ou tratamento nos hospitais regionais. Quando conseguem, se deparam com a dura realidade desses hospitais, onde falta de tudo, desde medicamentos, anestésicos até material técnico. Isso sem falar nos equipamentos sucateados e profissionais desmotivados pelas condições de trabalho e pela remuneração aviltante.
Resultados negativos, mesmo com milhões recebidos
Apesar dos milhões que recebe anualmente, a Pró-Saúde, preferida do Governo Jatene para administrar os principais hospitais regionais do Estado, tem demonstrado inépcia na gestão do recurso público que recebe, já que vêm apresentando sucessivos resultados negativos nos hospitais sob sua responsabilidade. A prova está registrada em seus balanços, aumentando ainda mais o sucateamento do patrimônio do Estado.
O Hospital de Altamira, por exemplo, acumula um Patrimônio Líquido Negativo no período de 2011 a 2012 no valor de R$ 10.904.460,00. Já o Hospital de Marabá no mesmo período acumula Patrimônio Líquido Negativo de R$ 10.854.954,00.
Quando uma empresa apresenta Patrimônio Líquido Negativo significa dizer que está insolvente, ou como se diz popularmente:está “quebrada”, falida. Essa é a gestão que a Pró-Saúde promove nos hospitais do Pará, mesmo recebendo milhões anualmente. Enquanto isso os demais hospitais regionais estão sendo relegados á própria sorte. Mesmo recebendo milhões do Estado, é inexplicável que uma empresa ainda leve os hospitais que administra a uma situação de quase insolvência.
O Ministério Público do Estado do Pará finalmente iniciou semana passada a tão esperada devassa nas organizações sociais que gerenciam hospitais no Pará. O trabalho começou na sede do Instituto de Desenvolvimento Santa Maria (Idesma), responsável pela gestão do Hospital Metropolitano de Ananindeua nos anos de 2009 a 2012. Atualmente, a organização está no comando do Hospital Regional Público do Araguaia, em Redenção.
O promotor Sávio Rui Brabo de Araújo, titular da promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse social, Falência e Recuperação judicial e extrajudicial, disse que a fiscalização abrangerá o INDSH, que administra o Hospital de Breves; Associação Cultural e Educacional do Pará (Acepa), que já administrou o Hospital Metropolitano de Belém; e finalmente a Pró-Saúde, que administra os hospitais Regional Público do Sudeste, em Marabá, Regional da Transamazônica, em Altamira, o Público do Oeste do Pará, em Santarém e o Metropolitano em Ananindeua.
MP contesta “taxa”paga
Hospitais recém-construídos, totalmente aparelhados com equipamentos de última geração, profissionais muito bem remunerados recebendo salários acima de R$ 30 mil mensais, repasses de valores milionários garantindo o funcionamento dos hospitais e mais o pagamento de uma taxa de 10% a título de “Taxa de Administração” é o que oferece o Governo de Simão Jatene às OS’s que administram os hospitais regionais e o Hospital Metropolitano. Um negócio de pai para filho.
As Organizações Sociais são entidades sem fins lucrativos, não havendo qualquer justificativa ou amparo legal para cobrança de nenhum valor a título de “Taxa de Administração”, que na realidade configura lucro, o que é contestado pelo Ministério Público em vários Estados. Menos no Pará.
Mesmo a Pró-Saúde negando a cobrança da “Taxa de Administração”, afirmando que não existe previsão contratual para tal recebimento, e ainda que não conste em seu Plano de Contas a referida rubrica, os balanços dos hospitais sob a gestão da organização (Santarém, Altamira e Marabá) publicados no DOE e identificados pelo DIÁRIO comprovam o contrário: os documentos mostram que a Pró-Saúde recebe indevidamente os recursos públicos. Tudo registrado nos balanços. É o caso da tal taxa de administração de 10%. Os balanços dos hospitais mostram que a OS repassou à sua matriz apenas no período de 2010 a 2012 sob a mencionada taxa a bagatela de R$ 40.771.949,00.
Com a repercussão negativa da apropriação dessa taxa a Pró-Saúde, como forma de escamotear o recebimento desses valores passou a contabilizá-los sob a denominação de “Reembolso de Despesas”. Curiosamente os valores apropriados nessa rubrica, correspondem sempre a 10% do total repassado pela Sespa à Organização. Ocorre que a natureza contábil de uma “Taxa de Administração” é oposta ao de um “Reembolso de Despesas”, embora rigorosamente os valores contabilizados nos balanços da Organização sejam os mesmos.
Pró-Saúde recebe sem trabalhar
Além da taxa de administração ilegal, existe outra mamata registrada no contrato fechado entre a Sespa e a Pró-Saúde: Mesmo a organização recebendo anualmente à fábula de R$ 265 milhões para gerenciar os hospitais de Santarém, Altamira, Marabá e o Metropolitano, não está obrigada a executar a totalidade dos serviços sob sua responsabilidade, uma vez que, conforme estabelecem cláusulas contratuais, caso a OS realize apenas 85% dos serviços pactuados o Estado estará obrigado a pagar o valor total do contrato. Dessa forma, a Pró-Saúde poderá vir a receber somente por serviços não realizados valores da ordem de R$ 39,75 milhões como o Diário mostrou domingo passado.
Mas isso não é o pior: existem condições ainda mais escandalosas, que figuram nos contratos firmados entre a SESPA e a organização paulista. Em tais documentos existem cláusulas possibilitando à Pró-Saúde receber 70% do valor global dos contratos, mesmo que não venha a realizar nenhum serviço nos hospitais sob sua gestão, bastando apenas que disponibilizem tais serviços.
Qual a justificativa para a existência de tão esdrúxula condição? A Pró-Saúde argumenta que como a organização disponibiliza os serviços e as instalações dos hospitais à Regulação Estadual, a responsabilidade de encaminhar o paciente é do Estado, sendo assim, caso não seja encaminhado nenhum paciente, a OS não quer nem tomar conhecimento das razões: quer apenas embolsar os recursos que tão graciosamente estão estabelecidos em contrato, mesmo que tais cláusulas sejam claramente ilegais e imorais.
(Diário do Pará)