Diagnóstico precoce pode induzir a tratamentos desnecessários, que deixam as pessoas realmente doentes.
Por Gilbert Welch
A maioria das chamadas doenças modernas é definida numericamente. Se sua pressão arterial estiver acima de certo número, por exemplo, você é diagnosticado como hipertenso e é medicado. Se estiver abaixo, você não é. Simples assim.
Existem diversas outras enfermidades em que você pode ser enquadrado como portador simplesmente se estiver fora dos números fixados — mesmo se não tiver nenhum sintoma aparente. Ao estabelecermos estes números, nós, médicos, tentamos fazer um diagnóstico precoce e, desta maneira, prevenir consequências graves, como um ataque cardíaco, no caso de hipertensão.
Entretanto, o diagnóstico precoce é uma faca de dois gumes. Se ele tem o potencial de salvar vidas, também carrega um perigo grande: a excessiva detecção de anormalidades que nunca nos incomodaram e, talvez, nunca incomodariam. Muitas pessoas diagnosticadas com diabetes, hipertensão ou osteoporose jamais desenvolveriam os sintomas e nem morreriam destas doenças. Isso acontece principalmente quando os casos são leves. Mas podem correr riscos de, mesmo assim, ao serem medicadas, terem efeitos colaterais indesejáveis, o que acarretaria em novos exames, novos remédios e novas doenças.
As regras numéricas para definir doenças são importantes e determinam o que chamamos de ponto de corte: se você passa um número acima, é chamado de doente. Um número abaixo, é considerado saudável. Eu adoraria dizer que estes pontos de corte são resultados apenas de um processo científico.
Mas eles são mais do que isso: envolvem também julgamentos de valores e até mesmo interesses financeiros. Com o passar dos anos, diversos pontos de corte foram alterados significativamente. Ainda que isso tenha ocorrido com as melhores intenções, o resultado é que aumentaram em demasia os diagnósticos e os tratamentos de pessoas que potencialmente nunca ficariam doentes.
Pense na seguinte situação: você se sente bem, mas alguém lhe sugere exames para saber se seus ossos estão suficientemente fortes, uma vez que a osteoporose é uma doença grave. Os exames revelam que sua densidade óssea está um pouco abaixo da média para sua idade e você é aconselhado a tomar medicamentos para evitar o risco de fraturas.
Três medicamentos, uma úlcera de esôfago como efeito colateral, e três especialistas depois, dizem que agora você pode ter câncer de tireoide. Trata-se de um caso clássico de eventos em cascata — neste exemplo, com um final feliz, pois o último médico em questão soube avaliar que praticamente todos os adultos têm alguma evidência de câncer de tireoide. E aqui, o paciente em questão nem tinha osteoporose — é o que se chama de “pré-osteoporose”.
Seria fácil, então, mudar as regras para alterar os números e redefinir o que seria considerado normal. A discussão pararia por aí. Mas, infelizmente, não existe um método matemático ou uma equação que defina quem é normal e quem não é. Precisamos, sim, pensar no paradoxo que hoje se tornou a promoção da saúde: para serem saudáveis, as pessoas precisam procurar doenças?
Gilbert Welch é médico e pesquisador na área de diagnóstico precoce de doenças na Universidade Dartmouth (EUA). Ele é autor de Overdiagnosed, escrito com Lisa Schwartz e Steven Woloshin (2011)
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