O processo de seleção para a compra de 36 novos caças destinados à Força Aérea Brasileira (FAB) vem gerando uma série de polêmicas em torno de um negócio que pode custar até R$ 10 bilhões aos cofres públicos.
O Ministério da Defesa informou que já recebeu o relatório técnico feito pelo Comando da Aeronáutica, mas nenhum dos dois órgãos comenta o conteúdo do documento.
De acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo publicada na terça-feira, o Gripen teria recebido a melhor pontuação no relatório, considerando preço e transferência de tecnologia.
Já a aeronave francesa, preferida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estaria na terceira posição.
Além da escolha entre as três empresas, o presidente tem ainda uma outra opção: não decidir sobre um vencedor, o que pode resultar no engavetamento do processo de seleção ou na transferência da decisão para o próximo governante.
Entenda o que está em jogo na compra dos caças.
Para que os caças serão usados?
A aquisição dos novos caças tem duas finalidades práticas: intensificar a patrulha da Amazônia e da faixa de mar do pré-sal. Os equipamentos estarão aptos a fazer interceptações aéreas e ataques em solo.
Além dos 36 caças previstos no processo de seleção atual (batizado de FX-2), a FAB pretende ainda fazer novas aquisições nos próximos 15 anos, chegando à marca de 120 aeronaves.
A ampliação do poderio militar brasileiro também está relacionada às intenções do país em reforçar sua influência política no cenário internacional.
O argumento é de que, com um aparato militar mais significativo, o país estaria melhor preparado para disputar uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – uma das principais bandeiras da política externa brasileira.
Quais são as principais diferenças entre as três propostas?
As propostas não são idênticas, pois cada empresa teve liberdade para fazer sua própria oferta de preços, prazos e condições para transferência de tecnologia.
No caso da Saab, estima-se que o pacote tenha saído a um custo de R$ 5 bilhões, com o preço unitário da aeronave em torno de R$ 120 milhões, o mais baixo entre os três concorrentes.
O motivo seria o fato de a aeronave ser monomotor, mas segundo o fabricante, a questão não interfere na segurança ou no desempenho do equipamento, que pode atingir a velocidade de 2,4 mil quilômetros por hora.
Em declarações à imprensa no ano passado, porta-vozes da Saab disseram que a empresa está disposta a transferir tecnologia ao Brasil “sem restrições” e que o fato de seu caça ainda estar em processo de desenvolvimento abre espaço para parcerias com a indústria brasileira.
Quanto ao FA-18 Hornet, a estimativa é de que cada caça saia por cerca de R$ 170 milhões e o pacote completo por R$ 8 bilhões. Com duas turbinas, o caça pode atingir 2,1 mil quilômetros por hora.
Em nota divulgada no ano passado, a Boeing se comprometeu a adotar um modelo “inédito” de transferência de tecnologia ao Brasil, inclusive desenvolvendo as aeronaves em território brasileiro.
A Boeing vem tentando melhorar sua imagem junto à indústria militar brasileira. Há cinco anos, a empresa vetou a venda de aeronaves da Embraer à Venezuela, já que os equipamentos tinham componentes americanos.
O compromisso da Boeing no programa FX-2 foi também reforçado pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, em uma carta enviada ao Itamaraty, em agosto do ano passado.
O caça Dassault, por sua vez, chega a ser cotado por até R$ 240 milhões, o que pode levar seu pacote completo à cifra de R$ 10 bilhões.
Questionado sobre a diferença de preços, o ministro da Defesa da França, Hervé Morin, disse que o Rafale tem um desempenho melhor e comparou o caça francês uma Ferrari. A velocidade máxima da aeronave é de 2,4 mil quilômetros por hora.
A Dassault falou em transferir “100%” da tecnologia de seus caças para o Brasil, mas como seu produto já está totalmente desenvolvido, há duvidas quanto ao ganho que o acordo com a empresa francesa possa trazer ao país.
Outro fator que deverá pesar na escolha do governo brasileiro é o custo da hora/voo de cada aeronave, referente, por exemplo, a despesas com combustíveis, lubrificantes e consertos de sistemas desgastados ao longo dos anos.
De acordo com a experiência dos três concorrentes, estima-se um custo US$ 4 mil a hora/voo no caso do Gripen, de US$ 10 mil a US$ 14 mil para o Hornet e de US$ 14 mil no caso do Rafale.
Qual é o procedimento para a escolha da aeronave?
A aquisição dos caças não segue o procedimento de uma licitação tradicional, em que a empresa ganhadora é apontada por uma comissão, considerando preço e critérios técnicos.
No programa FX-2, por se tratar de um assunto de segurança nacional, a palavra final sobre o vencedor é do presidente da República.
Definida a empresa ganhadora, caberá ao Senado discutir os aspectos financeiros do negócio, aprovando ou não o financiamento, por exemplo.
O presidente da Frente da Parlamentar da Defesa Nacional, Raul Jungmann, diz que a Constituição brasileira confere ao Poder Executivo a prerrogativa de definir, sozinho, a empresa vencedora. Mas, segundo ele, “não é correto o presidente atropelar o processo”.
Jungmann se refere ao fato de o presidente Lula ter anunciado, em setembro passado, que o governo brasileiro já estava “em negociação” com a Dassault – antes mesmo de a Aeronáutica ter concluído o relatório técnico.
Por que o presidente Lula e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, preferem o caça francês?
Entre os principais argumentos do governo a favor do Rafale está a “parceria estratégica” com a França – um compromisso assinado no ano passado, entre os dois países, com o objetivo de “aprofundar” projetos conjuntos na área de segurança.
Em setembro passado, o Brasil anunciou a compra de 50 helicópteros e quatro submarinos de tecnologia francesa, no valor total de R$ 22 bilhões.
O governo francês, por sua vez, se comprometeu a adquirir dez aeronaves de transporte militar fabricadas pela brasileira Embraer.
Além disso, a França é um dos poucos países, entre as grandes potências, que defende uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU.
De acordo com o Palácio do Planalto, a expectativa agora é de que o presidente Lula, junto com ministros e assessores da área, avaliem o relatório técnico da Aeronáutica juntamente com “outras questões, mais políticas”, como a relação do Brasil com França, Estados Unidos e Suécia.
O presidente tem um prazo para tomar sua decisão?
Não. O presidente pode adiar o quanto quiser sua decisão – ou ainda, não decidir nada. Se isso acontecer, o processo de seleção pode ir para a gaveta ou ficar a cargo do próximo presidente.
Esse seria o pior cenário na visão dos militares, interessados na modernização de sua área. Na avaliação de uma fonte da Aeronáutica, uma indefinição pode “desmoralizar” o processo de seleção brasileiro, prejudicando negociações no futuro.
A expectativa entre os assessores do presidente é de que uma decisão, se realmente tomada, seja anunciada no início do ano, evitando um possível desgaste ao governo na fase de campanha eleitoral.
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